quinta-feira, 2 de março de 2023

DOS JARDINS FANTÁSTICOS


 Luiz Pacheco no seu primeiro Texto Local, a que chamou Os Namorados, escreve:

«Dos jardins fantásticos da minha infância que eu nem tive infância nasci assim já velho mas sou um bonacheirão incapaz de rancor aos meninos que tiveram infância e jardins, trago um na lembrança que era um jardim muito engraçado havia um coreto a música tocava aos domingos havia um urinol com aquele velho maluco que fazia coisas aos rapazes e também lembro um jardim, outro ou seria o mesmo que era um jardim muito engraçado com uma estantazinha verde o tipo que emprestava livros à gente tinha uma farda preenchia-se um papel com o nosso nome e morada era coisa séria.»

 Maravilha de texto lido com um prazer de velhos tempos, agora que nos jardins já encontramos poucas crianças e as que vão aparecendo têm telemóveis e outros mecanismos dos tempos de hoje.

 Nuno Pacheco, na sua apreciada crónica das quinta-feiras, no Público, escreve sobre jardins:

 «Há coisas que parecem premonitórias. No seu mais recente trabalho em torno da obra pessoana, Faust, o cantor e compositor italiano Mariano Deidda escreveu (e cantou, a fechar o disco) uma canção intitulada Nos jardins de Lisboa, dedicando-a ao escritor Antonio Tabucchi. Vale a pena citá-la na íntegra (é cantada em italiano, mas no libreto do disco surge também traduzida para português): “Meu caro professor Tabucchi/ agora que você se encontra/ entre as águas do aqueronte/ e o vórtex furioso dos átomos/ onde tudo está disperso/ e onde tudo é criado de novo/ em breve poderá voltar/ aos jardins de Lisboa/ como flor/ que floresce em Abril/ ou como chuva nos lagos/ e nas lagoas de Portugal/ e quando eu estiver a passear/ voltarei a ouvir a sua voz/ percorrida pelo vento.” O disco foi lançado em Março de 2022, e, passado quase um ano, um jardim de Lisboa ganhou oficialmente o nome de Jardim Antonio Tabucchi. Foi inaugurado numa sexta-feira, dia 3 de Fevereiro, e era conhecido como Jardim da Travessa da Piedade, a curta distância da casa onde o escritor italiano viveu, a Rua do Monte Olivete, a meio caminho entre a Assembleia da República e o Largo do Príncipe Real. O Gogle Maps já o reconhece.

Ora esta inauguração, no bairro que Tabucchi “percorreu vezes sem conta” e onde “sempre se sentiu bem”, como ali recordou a viúva do escritor, Maria José de Lencastre, e onde, em nome do município, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, afirmou que “o grande escritor, o grande lisboeta, o grande homem livre”, se tornava assim “parte da cidade” que foi a “sua segunda casa”, ocorreu no início do ano em que se celebrarão os 80 anos do nascimento de Tabucchi (em 24 de Setembro) e passados 11 anos da sua morte (em 25 de Março de 2012. Na mesma Lisboa que adoptou como sua e onde viveu desde 1965 até ao final da vida.»

 Difuso no texto da crónica do Nuno Pacheco, copio o poema de Mariano Deidda:


«Meu caro professor Tabucchi

 agora que você se encontra

 entre as águas do aqueronte

e o vórtex furioso dos átomos

onde tudo está disperso

e onde tudo é criado de novo

em breve poderá voltar

aos jardins de Lisboa

como flor/ que floresce em Abril

ou como chuva nos lagos

e nas lagoas de Portugal

e quando eu estiver a passear

voltarei a ouvir a sua voz

percorrida pelo vento.»

Legenda: Jardim Constantino, em Lisboa, numa quarta-feira, que é dia de ali se relizar uma Feira Ocasional de Livros Usados.

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