quinta-feira, 9 de março de 2023

UMA QUESTÃO DE TEMPO

Do outro lado da casa, as crianças brincam com o tempo

que corre para que elas não brinquem com ele. Na casa

ao lado, um cão vê o tempo a passar e ladra-lhe

para ele fugir como se fosse um ladrão. Na rua, o mendigo

pede a toda a gente a esmola de um tempo, e toda

a gente diz que não tem tempo para lhe dar. No café, peço

uma chávena de tempo, curto e bem forte

porque não tenho tempo para dormir, mas

ao meu lado há quem peça uma chávena bem cheia

de tempo para que o tempo demore a beber. Há

quem corra por falta de tempo, e o tempo vai

atrás dele para o apanhar. No metro, a rapariga

atravessa o cais, devagar, como se tivesse mais tempo

do que todos os que contam o tempo para

não lhes descontarem no tempo. E quando me perguntam

se tenho tempo, olho para o relógio, como se ele

estivesse cheio de tempo, e peço que tirem de dentro

dele todo o tempo, e que o esvaziem até ao último

segundo, para eu ficar com tempo para

ver quanto tempo já passou.

Nuno Júdice

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