É possível que este poema não seja
um poema. De facto, embora escrito em verso,
com cesuras que estão no sítio em que
deviam, umas, e onde não deviam, outras,
e apesar do ritmo que segue algumas das regras
próprias de um discurso com marcas musicais,
produzindo o prazer da harmonia de vogais
e consoantes para ouvidos mais atentos, este
poema pode ser considerado, por alguns, como
não sendo um poema, ou não fazendo parte
daquilo a que se dá o nome de poesia. Uma frase mais
longa do que o habitual, em vez do discurso
equilibrado e consonante com os hábitos
da dicção; ou um raciocínio que nasce de uma discussão
técnica sobre as regras que o poeta deveria
seguir para chegar ao seu objectivo: eis, só aqui,
dois motivos mais do que suficientes para que se diga
que este poema não o é. Porém, outros podem
trazer argumentos mais profundos: que falta aqui
uma transcendência, um sublime, um contacto
com o divino. Estes, são os clássicos. Ou que
não se sente a presença de uma inspiração de carne
e osso, da pele macia daquela que se aproxima, sem
que a estejamos a ver, e que nos diz ao ouvido a palavra
do amor: são os românticos. Ou ainda que nada disto
teria de ter um sentido, e que as imagens teriam
de andar umas contra as outras no saco da estrofe: são
os modernos.
Deixo-os a discutir uns com os outros, a trocar
os seus argumentos e as suas ambições, e espero que
me digas que este poema que pôs tudo de lado quando
chegaste ao pé de mim, é um poema; e se me disseres
isso, então sei que é teu este poema, e o resto
que fique para quem julga que sabe o que é,
ou não é, a poesia
Nuno Judie em O Fruto da Gramática
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