segunda-feira, 13 de março de 2023

O QUE È A POESIA

É possível que este poema não seja

um poema. De facto, embora escrito em verso,

com cesuras que estão no sítio em que

deviam, umas, e onde não deviam, outras,

e apesar do ritmo que segue algumas das regras

próprias de um discurso com marcas musicais,

produzindo o prazer da harmonia de vogais

e consoantes para ouvidos mais atentos, este

poema pode ser considerado, por alguns, como

não sendo um poema, ou não fazendo parte

daquilo a que se dá o nome de poesia. Uma frase mais

longa do que o habitual, em vez do discurso

equilibrado e consonante com os hábitos

da dicção; ou um raciocínio que nasce de uma discussão

técnica sobre as regras que o poeta deveria

seguir para chegar ao seu objectivo: eis, só aqui,

dois motivos mais do que suficientes para que se diga

que este poema não o é. Porém, outros podem

trazer argumentos mais profundos: que falta aqui

uma transcendência, um sublime, um contacto

com o divino. Estes, são os clássicos. Ou que

não se sente a presença de uma inspiração de carne

e osso, da pele macia daquela que se aproxima, sem

que a estejamos a ver, e que nos diz ao ouvido a palavra

do amor: são os românticos. Ou ainda que nada disto

teria de ter um sentido, e que as imagens teriam

de andar umas contra as outras no saco da estrofe: são

os modernos.

Deixo-os a discutir uns com os outros, a trocar

os seus argumentos e as suas ambições, e espero que

me digas que este poema que pôs tudo de lado quando

chegaste ao pé de mim, é um poema; e se me disseres

isso, então sei que é teu este poema, e o resto

que fique para quem julga que sabe o que é,

ou não é, a poesia

Nuno Judie em O Fruto da Gramática

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