Sobrevivemos à guerra - sobrevivemos à paz:
volta e meia acreditávamos que os períodos passados
nunca mais se repetiriam
e de facto, nunca se repetiam
(mas seguiam-se um após outro),
a infância se foi para sempre,
não quis voltar a juventude perdida
e ninguém prestou contas
do nosso tempo desperdiçado.
Faltava-nos fé
e por isso acreditávamos em qualquer coisa
em qualquer luta falsa,
mas não em luta solitária, porque cada um de nós
que a arriscou
teve de lutar contra as sombras de ferro,
contra o algodão de ferro que o cercava,
impedia de respirar, expunha ao ridículo;
era cada vez mais difícil se mover,
o algodão das verdades mentirosas tapava nossos ouvidos,
até as pequenas esperanças tornavam-se difíceis
de se concretizar
e quanto mais depressa podíamos vencer grandes distâncias,
tanto mais tempo era preciso para o entendimento mútuo,
quanto mais longe nos aventurávamos no futuro,
tanto mais se alongava a distância de coração a coração,
quanto mais sabíamos da vida dos outros,
vivos, mortos e a nascer,
tanto menos conhecíamos a nós próprios;
meios de espasmo de massa
nos acostumavam sem dor às tragédias do mundo contemporâneo,
ainda éramos capazes de cuidar
das nossas flores e animais domésticos,
mas temíamos até pensar que os pequenos países
são polígonos de experiência das grandes potências;
votávamos - em silêncio,
só manifestávamos nossa presença
quando nossos amadores ganhavam dos profissionais,
e então os arranha-céus tremiam com o grito:
transformavam-se em altíssimas barricadas,
que ninguém atacava,
pois há muito tinham sido conquistadas.
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