domingo, 26 de março de 2023

O OUTRO LADO DAS CAPAS


O meu pai sempre me foi dizendo que não devíamos emprestar livros, porque na maior parte das vezes não voltavam ao lugar da estante.

Mas também falava da cara com que não lhe apetecia dizer que não. Porque alguns amigos ainda tinham menos posses que ele, não tinham quase dinheiro para comprar comida quanto mais livros. Havia os que estavam nos calabouços salazaristas da PIDE e necessitavam de livros para ajudarem os dias malditos.

Daí ter encontrado livros, com ficha feita, que não ocupavam as prateleiras na Biblioteca da Casa, nem qualquer indicação a quem tinham sido emprestados.

Emprestei livros, uns regressaram, outros não, mas agora o dilema já não existe, porque sabe-se que 56% dos portugueses não leram um único livro durante o passado ano.

No entanto aconteceu-me que, quando aqui falei na companhia que faziaao meu avô nos programas televisivos da Maria de Lurdes Modesto, necessitei de consultar o «Livro de Bem Comer» do José Quitério.

Voltas e mais voltas e do livro nem sombras.

Claro que metade do meu cérebro já não funciona, mas emprestar o livro do Quitério a quem?

Há dias, fui até à Rua Passos Manuel na expectativa de, na Assírio & Alvim encontrar por lá algum exemplar. Está esgotado, mas a amável trabalhadora da livraria, falou-me da existência de uma edição que reunia o «Livro de Bem Comer» e «Histórias e Curiosidades Gastronómicas».

É este o livro, editado em Maio de 2015 e que já vai em 3ª edição.

Em «Nota Posfacial», José Quitério explica:

«Livro de Bem Comer foi publicado em 1987 e «Histórias e Curiosidades Gastronómicas» em 1992. Fizeram sem pressas os seus caminhos e acabaram naturalmente por esgotas. Durante muito tempo não anuí à sugestão do editor para os reeditar. Com o passar dos anos e o galopante aumento de interesse por estes temas, fui admitindo tal possibilidade, sobretudo porque verifiquei que continuavam a ter serventia, traduzida na muita gente que vinha beber destas águas, bastas vezes sem citar a fonte. Relidos os textos, também cheguei à conclusão que talvez não merecessem não ficar sepultados e poderem ser conhecidos pelos interessados da nova geração.

É assim que, decorridos respectivamente 28 e 23 anos, surge agora Bem Comer & Curiosidades». Não é uma mera junção dos dois. Foram retirados todos os textos de cariz estritamente literário-gastronómico, que entretanto enformara, acrescidos de vários outros, o livro Escritores à Mesa (e outros artistas), de 2010. Eliminaram-se alguns, adicionaram-se muitos mais, todos os originais foram sujeitos a revisão, expurgo e amiúde a ampliação.

Aqui fica. Obra definitiva e crê-se de registo histórico da cultura gastronómica portuguesa.»

De José Quitério disse José Cardoso Pires que «é um dos nossos prosadores vivos de mais inteligente qualidade», enquanto Mário de Carvalho afina pelo mesmo diapasão de Cardoso Pire,s mas acrescenta «Porventura o maior».

Deliciava-me com as crónicas que durante largos anos: José Quitério publicou no «Expresso».

A inteligência é sempre um prazer!

1 comentário:

Seve disse...

Livro emprestado livro "roubado".