Assim entendia Salazar o papel da mulher na sociedade.
«O trabalho das mulheres fora de casa não deve ser incentivado. Uma boa dona de casa tem sempre muito que fazer.
Salazar em 1936.
A mulher quer-se é em
casa. A mulher obesa e estúpida que despeja penicos e põe as refeições na mesa.
Nas casas de muitas infâncias podia encontrar-se um quadrinho que dizia: «Cá em casa manda ela e nela mando eu».
Tal como dizia a mãe à Emilita: «Quando fores grande, hás-de ser uma boa de casa.», lia-se no Livro Único da Terceira Classe
«Elas são quatro milhões, o dia nasce, elas acendem o lume. Elas cortam
o pão e aquecem o café. Elas picam cebolas e descascam batatas. Elas migam sêmeas
e restos de comida azeda. Elas chamam ainda escuro os homens e os animais e as
crianças. Elas enchem lancheiras e tarros e pastas de escola com latas e buchas
e fruta embrulhada num pano limpo. Elas lavam os lençóis e as camisas que
hão-de suar-se outra vez. Elas esfregam o chão de joelhos com escova de piaçaba
e sabão amarelo e correm com os insectos a que não venham adoecer os seus
enquanto dormem. Elas brigam nos mercados e praças por mais barato. Elas contam
centavos. Elas costuram e enfiam malhas em agulhas de pau com as lãs que hão-de
manter no corpo o calor da comida que elas fazem. Elas vêm com um cântaro de
água à cinta e um molho de gravetos na cabeça. Elas limpam as pias e as tinas e
as coelheiras e os currais. Elas acendem o lume. Elas migam hortaliça. Elas
desencardem o fundo dos tachos. Elas passajam meias e calças e camisas e outra
vez, meias. Elas areiam o fogão com palha de aço. Elas calcorreiam a cidade a
pé e à chuva porque naquele bairro os fatos-macacos são caros. Elas correm esbaforidas
para não perder o comboio, o barco. Elas pousam o cesto e abrem a porta com a
mão vermelha. Elas põem a tranca no palheiro. Elas enterram o dedo mínimo na
galinha a ver se tem ovo. Elas acendem o lume. Elas mexem o arroz com um garfo
de zinco. Elas lambem a ponta do fio de linha para virar a camisa. Elas enchem
os pratos. Elas pousam o alguidar na borda da pia para aguentar. Elas arredam a
coberta da cama. Elas abrem-se para um homem cansado. Elas também dormem.»
Maria Velho da Costa
em Cravo
Em Outubro de 1970,
uma reportagem do Diário de Lisboa,
referia que a escassez da mão-de-obra masculina – a emigração e a guerra
colonial levava os homens do país… - e o pagamento inferior do trabalho feminino
tinham feito surgir de mulheres a trabalhar nas estradas nacionais em
reparação. Quarenta mulheres em Alcácer do Sal, sob sol escaldante, lançavam e espalhavam
o saibro na estrada.
Então, o encarregado
da obra soube dizer ao repórter: «Elas são melhores para este trbalho.
Dobram-se melhor. Os rins delas aguentam-se mais tempo curvados e são menos
insofridas do que os homens».
Faltou-lhe dizer que
também ganhavam muito menos do que os homens.
No século XVII, já um
tal D. Francisco de Melo se ria dos que julgavam as mulheres intelectualmente
aos homens.
«Diz mulher ao teu país como lutaste até hoje o que fizeram de ti o que
quiseram que fosses como prenderam teu grito sob a boca amordaçada mas como
cantaste assim do teu teu desgosto apertada.»
Maria Teresa Horta em Mulheres de Abril.
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