domingo, 12 de março de 2023

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 Este interessantíssimo e útil livro de Maria de Fátima Bivar, Ensino Primário e Ideologia, é uma viagem pelos Livros de Leitura utilizados no ensino primário nos anos 50 e 60.

Todos eles seguiam as regras impostas por Salazar naquela frase lapidar de Deus, Pátria e Autoridade, que então se entendia ser tão ou mais importante que saber ler e escrever.

A autora também é conhecida como Maria Velho da Costa. De seu nome completo Maria de Fátima Bivar Velho da Costa.

O Outro Lado das Capas deste livro, não tem sequer uma linha escrita, pelo que se entendeu introduzir um pedaço do Livro de Leitura da Primeira Classe.

E pela mais descarada propaganda salazarista, pela demagogia pornográfica, introduz-se um outro texto:

Andei pela escola primária de 1952 a 1955, frequência na Escola Primária nº 68, na Rua da Penha de França, mesmo ao lado da sede do Sporting Club da Penha.

Uma escola escura, fria, um professor, o Sr. Amilcar, que nas nossas idas ao quadro, exibia o ponteiro na mão, um professor do quero, posso e mando.

Dos primeiros dias de escola, lembro os que iam de sapatos, os que iam de tamancos, os que iam de alpergatas, os que iam descalços. Os que levavam os livros, os cadernos, a ardósia numa pasta, os que levavam os mesmos livros, os mesmos cadernos, a mesma ardósia, numa sacola de serapilheira, ou  amarrados com uma corda.

Nada a ver com aquele conto, lido anos mais tarde, em Os Meus Amores de Trindade Coelho.

 «- Muito bons dias. Lá de casa mandam dizer que aqui está a encomendinha.

 Oh! Oh! A encomendinha era eu, que ia pela primeira vez à escola. Ali estava a encomendinha.”

 A determinada altura, o professor falando para a Srª Helena, a que levara a encomendinha, e perante uma risada geral da aula, diz:

 “Caluda, seus fedelhos! Caluda, porque se peço licença à Srª Helena, começo numa ponta e levo tudo a eito, corro tudo a bolos, tudo, mas o que se chama tudo!

 É o que vê, Srª Helena – disse então vitorioso, a sorrir-se, o bom do Sr. Professor – É o que vê! Um mestre sem palmatória é um artista sem ferramenta, não faz nada. Santa Luzia milagrosa! Aqui onde a vê tem feito muitos doutores.»

2 comentários:

Seve disse...

Tive de ler duas vezes e esfregar os olhos - Maria Velho da Costa (das 3 Marias)!
Que surpresas mais nos reservará o futuro...

Sammy, o paquete disse...

Porque ainda entre nós, só a Maria Teresa Horta sabe quem das 3 Marias escreveu o quê, e não mais dirá sobre o assunto.
Tenho feito algumas pesquisas, renovadas leituras e consigo saber de algumas, muito pouicas, autorias.
Não entendo muito bem o silêncio de Teresa Horta mas respeito a decisão.
Nada me impede, no entanto, de dizer, como mera opinião pessoal, que Maria Velho da Costa é a voz mais viva, mais singular daquelas Novas Cartas.