Apesar de ter nascido em Lisboa, vivi na Amadora a maior parte da minha vida, passei lá a minha infância, lá me tornei adolescente de lá saí para a tropa, para me fazer homem como então se dizia, e lá ficaram as minhas memórias. Aquilo que nós somos, a nossa personalidade convicções e modo de estar perante a vida, é uma soma das vivências que temos, do meio onde crescemos, das várias influências que vamos sofrendo. Eu sou claramente um Amadorense de gema, com bastante orgulho nisso, tenho orgulho da Amadora onde vivi, que já só existe na memória de quem lá viveu, mas no fundo também todos nós somos uma espécie de iceberg, onde o presente é o que está visível, e as memórias são a grande parte que está submersa, mas sem elas o presente não faria sentido, tal como sem a parte submersa o pico do icebergue afundaria.
Vem isto a propósito da minha Amadora natal, uma terra vulgarmente desconsiderada, associada negativamente à sua anterior denominação de “Porcalhota”, designação que ao que parece até teve origem no nome do antigo nobre que ocupou as terras onde hoje é a Falagueira. Desde o início do séc.. XX que a Amadora tem a designação actual, como se tornou destino de férias das famílias abastadas de Lisboa, e onde algumas até se começaram a estabelecer e a aparecerem os primeiros negócios e indústrias, moveram influências para alterarem o nome da terra, que era motivo de alguma chacota. E a Amadora era na época uma terra de burgueses e intelectuais, tendo, a par da sua lenta alteração de zona marcadamente rural para uma actividade industrial, desenvolvido uma actividade sócio-cultural ímpar. Foi construída uma sala de espectáculos, que mais tarde deu origem a um cinema de que falarei em próxima oportunidade, mas esta sala, impulsionada pelo grande industrial da época Santos Mattos, apresentou espectáculos com as maiores celebridades europeias da época, tanto a nível de Teatro como de Ópera. Foi na Amadora, segundo reza a História, que surgiu o primeiro aeródromo de Portugal, e onde esteve instalado primeiro grupo de esquadrilhas aéreas, e onde se iniciaram algumas das mais importantes travessias transatlânticas. Foi também na Amadora, associada ao já referido Recreios da Amador, que surge o primeiro rinque destinado à prática de Hóquei em Patins, construído em Portugal Continental, pois já existia um em Lourenço Marques. E foi esta Amadora que cresceu e deu origem ao grande pólo industrial em que se tornou em meados do séc.. XX, fazendo parte da outrora famosa Cintura Industrial de Lisboa, e que atraiu milhares de operários vindos do interior, especialmente do Alentejo, dando origem a uma explosão demográfica. Esta alteração da classe de habitantes da então vila da Amadora, transformou também a sua personalidade colectiva, dando a burguesia intelectual lugar ao operário, tendo sido durante décadas palco de lutas políticas, sendo uma zona de grande implantação dos ideais de esquerda, e onde o PCP teve grande implantação, antes do 25 de Abril de 1974 por ser o único que afrontava o regime no interior de Portugal, e mesmo depois da revolução, onde o chamado Município de Abril, por ter sido o primeiro Concelho criado após 1974, foi claramente uma terra de Esquerda, tendo este domínio da esquerda na condução dos seus destinos terminado apenas em 1997. As minhas memórias remontam ao início da década de 70 do século passado. E é dessas que falarei em próximas ocasiões.
6 comentários:
Gosto mesmo deste tipo de evocações.
Pelos idos de 60 andei pela Amadora em ingénuas reuniões para ajudar a derrubar um regime.
O Armindo Miranda, entre outros, escreveu "Amadora 67"
Vou à procura do poema para o colocar aqui porque a Amadora também é partae das minhas memórias.
Obrigado, posso te dizer que tudo começou por querer escrever sobre os Cinemas que existiam na Amadora, comecei a escrever, e achei que afinal isto podia dar pano para mangas, e escrever sobre algo que andava para fazer há muito tempo.
Belo texto, Jack Ketouac, e obrigado por o teres partilhado. Embora tivesse no passado alguns amigos que eram de lá, desconhecia essas origens da Amadora.
Eu tenho uma relação muito difícil com a Amadora.
Quando era muito miúdo os meus pais tinham uma quinta numa localidade que ainda existe chamada Tala, logo a seguir ao quartel da Carregueira. Morávamos em Enttrecampos e o caminho que tomávamos era a partir da Estrada de Benfica e lembro-me bem de, já na altura, toda a gente se irritar um bocado com o tempo que levávamos para atravessar a Amadora. Eu era muito puto e não tinha nem a noção nem a preocupação com o tempo, mas os meus irmãos, sete, oito e nove anos mais velhos do que eu, faziam sentir bem alto a sua insatisfação, perguntando ao meu pai porque não ia pela Estrada de Sintra que era mais rápido... E desde muito cedo, para mim, Amadora passou a ser sinónimo de grande seca!
Uns anitos mais tarde, nova cena: os meus pais tiveram de mudar de casa e a minha mãe sonhava com uma moradia, tendo metido na cabeça que para as bandas da Amadora seria mais barato e conseguiria convencer o meu pai. Eu, como filho mais novo, era a vitima habitual nestas circunstãncias e lá fui vezes sem conta para a Amadora... Mas o problema maior é que, não sei se para poupar dinheiro (a minha Mãe era senhora de tomar um comprimido que visse esquecido em cima de uma mesa só para ele não se perder...!) se por desconhecimento dos sistema de transportes locais, andávamos distãncias intermináveis a pé, dia apóa dia...
E o rótulo de "inferno" nunca mais saiu de cima da Amadora, até hoje. E a moradia na Amadora não foi comprada, porque toda a agente se opôs e a desgraçada da minha Mãe ficou, uma vez mais, isolada...
Muito mais tarde vim a sentir eu proprio na pele os problemas de trânsito da Amadora e vivi, até, uma cena macaca na esquadra da Reboleira a qual me deu a perceber, claramente, a relação de cumplicidade que existia entre a Polícia (ou alguns polícias...) e o sub-mundo da droga e da prostituição. Talvez um dia de conte...
Outra má memória da Amodora, esta mais recente, foi um "belo" lanche de tordos numa tasca local, organizado pelo nosso Amigo Garrudo e anunciado com pompa e circunstância! Diga-se em abono da verdade que estas organizações gastronímicaas do Garrudo costumam ser sempre de "5 estrelas", mas aquela resvalou-lhe o pé para o chinelo e até fomos roubados... Acontece aos melhores, mas ainda estamos à espera que ele se limpe, já que nos continua a falar tanto das Tascas da Amadora. Parece que será já no dia 27 de Fevereiro, mas eu não poderei ir...
Finalmente, a única boa recordação que guardo da Amadora foi a elaboração da minha teses de licenciatura em Sociologia, que fiz sobre os movimentos sociais que tiveram lugar na Cometna no pós-25 de Abril. Belos tempos...
Memórias de forasteiro citadino, que nunca serão comparáveis às tuas certamente belas recordações de adolescência.
Cá ficarei à espera das histórias dos cinemas.
Um abraço do
LM
Obrigado Luís, e mais uma vez o teu comentário suplanta o próprio post, cá fico a aguardar essas "viagens na minha terra". E sim, conheço a Tala, Baratã, Ranholas e por aí fora :) boa zona sim senhor, e mais à frente tens Negrais, onde havemos de ir um dia desses saborear um Leitão.
Abraço
Gostei de visitar estes olhares e em particular este olhar pela Amadora. Vou, com a v/licença, colocar um link na página do Facebook criada para tentar lembrar o que de bom a Amadora teve, tem, fez, faz e continuará a fazer por nós e, se conseguirmos, aquilo que iremos fazendo pela amadora, a par de reuniões de pessoas com interesses comuns e inevitáveis rotas pelas tascas da Amadora :). Se nos quiser visitar, pesquise no FB pelo Grupo "Amadora - Passado, Presente e Futuro."
Olá Alexis, podes colocar o Link, eu pertenço a esse e outros grupos da Amadora e do Liceu, mas este post é anterior à criação do grupo. Mas ainda bem que gostas, nunca pensaria lá colocar algo que escrevi ao sabor da pena.
Obrigado
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