Nó Cego
Carlos Vale Ferraz
Capa: Rogério Petinga
Livraria Bertrand
Lisboa, 1982
No final, os quatro soldados que haviam sido da equipa do Preguiça, cabeça descoberta em sinal de respeito, pegaram no caixão e carregaram-no nas costas até ao barracão que servia de armazém aos corpos encaixotados à espera de transporte de volta à terra de origem.
À porta, o padre rezou as últimas orações, o cabo do batalhão de caçadores encarregado do material retirou a velha bandeira e dobrou-a para futuras cerimónias. Os homens dispersaram em pequenos grupos, dirigiram-se, uns para as barracas, outros para a enfermaria visitar o Pedro.
Encontraram-no na sala dos feridos graves.
- Que tal vai isso?
- Nunca mais pego toiros, meu capitão – respondeu com um sorriso triste. – Depois de me cortarem a perna, doeu. Mesmo assim tive muita sorte. Ao ver o que aqui vai, é que a gente sabe o que é a desgraça – afirmou, olhando para as camas ao lado, ocupadas com corpos mutilados ligados a tubos de plástico, a distinguir-se só o tronco debaixo dos lençóis, os cegos, os amputados, os queimados.
- É a guerra… - assentiu o capitão. – Tens necessidade de alguma coisa?
- Só de correio, mas sei que não veio para ninguém. Ainda agora a minha família julga que ando aqui a correr em cima das duas pernas.
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