É discutível a frase que diz que não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes.
Quando soube do fim próximo, aqui e aqui da Livraria Portugal, disse para comigo que voltaria lá, olhar, pela última vez, aquelas estantes, os escaparates, a escada ao fundo que dava para o primeiro andar, comprar (mais) livros.
Acabei por não voltar.
O fecho de uma livraria é, para quem gosta de livros, e não só, um osso muito duro de roer, e a Livraria Portugal acompanhou o meu crescimento neste caminho longo e feliz em busca da cultura possível.
Disse alguém, de que agora não lembro, e isto, hélas!, cada vez me acontece mais: se não sabes despedir-te diz que já voltas.
Uma notícia do Público revelava que foi uma gramática, Gramática e Linguistica, comprada por uma professora, a viver em França, mas sempre que vinha a Lisboa visitava a livraria, foi o último livro a ser vendido.
Esta melancolia assanhada pelo fechar de portas da Livraria Portugal, levou-me a trazer até aqui, um texto que a poetisa Maria do Rosário Pedreira escreveu no se blogue Horas Extraordinárias sobre esse mundo das livrarias da Baixa, que vai morrendo aos poucos:
Oh, que saudades do meu pai, e de ser pequenina, e de viver num Portugal se calhar tão pobre como este, mas sem nenhuma consciência disso. Que saudades de ir pela mão dele à Baixa ver as iluminações de Natal – que nesse tempo só lá é que as havia. Que bom tirar a fotografia com o Pai Natal à porta do Hotel Avenida Palace, escolher depois um presente na loja de brinquedos do italiano da Rua do Ouro e, em frente a uma montra cheia de chapéus-de-chuva, lanchar na Pastelaria Ferrari, onde havia batidos de ananás divinos e muitos espelhos para olhar o mundo. Oh, que saudades de ser criança e subir o Chiado pela mão do meu pai, de passar a loja de tecidos donde a minha mãe trazia amostras de fazendas de xadrez para os kilts da minha irmã e pedia descontos; e que bom era – afinal, o melhor momento do passeio – quando o meu pai, muito vaidoso, ia provar um fato novo cortado pelo alfaiate do Picadilly e eu podia esperar, sem medo de pedófilos, na Livraria Bertrand, onde metia o nariz nos livros e andava de sala em sala a ver tudo, como numa espécie de museu… Hoje, o País continua triste, e pobre, mas temos pronto-a-vestir e refrigerantes de lata; já não resta quase nada do que compunha essa viagem bonita, nem me resta o meu pai. A única coisa que tenho, apesar de tudo, ainda é a Bertrand.
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