Fez este domingo um ano.
Um povo voltou a sair para as ruas, os que saem sempre, os
que deixaram de sair e voltaram, os que nunca tinham saído. A ideia clara de
como poderíamos ser povo se a isso nos dedicássemos do fundo da teima dos ossos
e não o país acomodado que teimamos em ser, que mais não é que um péssimo
sinal, que nada de bom augura.
Mas aquela amena tarde de sábado de Setembro poderia ter
marcado a viragem, feito a diferença. Nuno Júdice chamou-lhe implosão e disso
fez um livro.
Sol de pouca dura, como diz o povo e voltámos ao
adormecimento, ao deixa andar…
Um dia Fernando Pessoa lembrou que descobrimos a Índia e
deitámo-nos a descansar…
Desta vez, porém, quando vi grupos de gente a passar na rua com uma ar
decidido, muitos levando cartazes ou faixas com palavras de protesto que nada
tinham a ver com os lugares-comuns das manifestações habituais, a minha atitude
mudou e fui ter com eles, ao lugar que tinham marcado para o encontro. Antes de
sir de casa ainda olhei para a televisão que tinha ligado em silêncio e vi os
comentadores habituais desfilarem uns atrás dos outros, falando como se
tivessem alguma coisa para dizer; mas seu tinha tirado o som à televisão era
porque já sabia o que é que estavam a dizer, e nem era preciso ler-lhes nos
lábios para conhecer a mensagem de cada um, com a aparência de segurança que
pretendiam transmitir e era traída por uma ruga ao canto dos olhos, pelo olhar
que de repente fugia para outro sítio. Sei que a situação era complicada, e
ninguém tinha a certeza das causas nem das consequências do que estava a acontecer,
mas eles continuavam a representar um papel em que já ninguém acreditava. O que
era comum a todos, porém, era o ar dramático, via-se pela maneira como olhavam,
como lançavam cada palavra para fora, e como por vezes demoravam a frase, com a
pele tensa, os lábios cerrados, e depois era como estivessem a libertar-se de
algo que lhes doía, embora eu soubesse que nem eles sabiam o que é que lhes
doía, e o que todos sabíamos, nós e eles, era que ninguém estava a gostar
daquilo que se estava a passar, e muito menos ainda daquilo que se iria passar.
(Citação de A Implosão de Nuno Júdice)
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