Coleccionador de Absurdos
José Gomes Ferreira
Capa: Luís Duran e Vitorino Martins
Moraes Editores, Lisboa Junho de 1978
Sim, só vingo em imaginação. Ou então com tanta subtileza
que nem as pessoas de quem me vingo percebem.
Com punhais inofensivos de cortar papel de seda
Como esta vingança, por exemplo. Um dia vieram contar-me que
certo vizinho meu andava a espalhar pelos cafés do bairro onde moro que me
encontrava quase todas as noites a falar sozinho. Confidência que concluía sempre
com este comentário de ínfima qualidade:
- O tipo é liru, não é?
Confesso que este ditinho de evidente má fé me irritava
particularmente. Porque toda a gente sabe que nunca caí na infantilidade de me
deixar caçar a falar sozinho por pessoas que não entendem a distinção que existe
entre um homem que medita em voz alta, com voz aprendida das estrelas, e o que
conversa com um companheiro fantástico que os outros não vêem por cegueira
manifesta.
Irritei-me e decretei de mim para mim que aquele grosseirão,
que das noites só extraía o ir para casa dormir o mais depressa possível, merecia
um castigo exemplar. Mas não me precipitei. Isto é: não caí na fatalidade banal
de ameaçar que lhe partia a cara, etc. Resolvi esperara que o Destino viesse em
meu auxílio, com a oportunidade de me vingar com elegância de faca sorridente
nos lábios. (Nisto de partir caras, prefiro parti-las por dentro.)
Sem comentários:
Enviar um comentário