sábado, 7 de setembro de 2013

OLHAR AS CAPAS


Coleccionador de Absurdos

José Gomes Ferreira
Capa: Luís Duran e Vitorino Martins
Moraes Editores, Lisboa Junho de 1978

Sim, só vingo em imaginação. Ou então com tanta subtileza que nem as pessoas de quem me vingo percebem.
Com punhais inofensivos de cortar papel de seda
Como esta vingança, por exemplo. Um dia vieram contar-me que certo vizinho meu andava a espalhar pelos cafés do bairro onde moro que me encontrava quase todas as noites a falar sozinho. Confidência que concluía sempre com este comentário de ínfima qualidade:
- O tipo é liru, não é?
Confesso que este ditinho de evidente má fé me irritava particularmente. Porque toda a gente sabe que nunca caí na infantilidade de me deixar caçar a falar sozinho por pessoas que não entendem a distinção que existe entre um homem que medita em voz alta, com voz aprendida das estrelas, e o que conversa com um companheiro fantástico que os outros não vêem por cegueira manifesta.

Irritei-me e decretei de mim para mim que aquele grosseirão, que das noites só extraía o ir para casa dormir o mais depressa possível, merecia um castigo exemplar. Mas não me precipitei. Isto é: não caí na fatalidade banal de ameaçar que lhe partia a cara, etc. Resolvi esperara que o Destino viesse em meu auxílio, com a oportunidade de me vingar com elegância de faca sorridente nos lábios. (Nisto de partir caras, prefiro parti-las por dentro.)

Sem comentários: