sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O IMAGINAR DE UM DIA


 Explicar-lhes: o nosso fascismo é especial, muito diferente daquilo que tinham lido acerca d Alemanha e da Itália, o Salazar recorria somente à violência mínima, apenas a necessária para nos manter em respeito, Se podia governar à vontade apenas com duzentos presos para quê dez mil? Se lhe bastava matar, de vez em quando, um comunista para quê matar milhares?
Dois dias depois fomos ao correio de Como, finalmente a carta da Maria Eugénia: «Encontro-me em Como. E escrevo-te, preciso de te ver, escrevo-te embora saiba que nem receberás a carta porque decerto já te foste embora.» Havia ali jornais expostos numa banca e então li, já não me recordo das palavras exactas: «O presidente do Conselho português, doutor Oliveira Salazar, gravemente doente.»
Durante anos procurei imaginar este dia, adivinhar todas as reacções, as minhas e as dos outros, mas a notícia agora não me causava nem sombra de emoção. Si, toda a minha vida sonhara com aquele momento, mas hoje… Como o brinquedo, depois de ganho perde o interesse.



Augusto Abelaira em Sem Tecto, Entre Ruínas, Livraria Bertrand, Lisboa Fevereiro de 1979.

Legenda: Flores para o Presidente Salazar.
Fotografia e legenda  publicada no Notícias de Portugal nº 1116

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