Explicar-lhes: o nosso fascismo é especial, muito diferente daquilo que
tinham lido acerca d Alemanha e da Itália, o Salazar recorria somente à
violência mínima, apenas a necessária para nos manter em respeito, Se podia
governar à vontade apenas com duzentos presos para quê dez mil? Se lhe bastava
matar, de vez em quando, um comunista para quê matar milhares?
Dois dias depois fomos ao correio de Como, finalmente a carta da Maria
Eugénia: «Encontro-me em Como. E escrevo-te, preciso de te ver, escrevo-te
embora saiba que nem receberás a carta porque decerto já te foste embora.» Havia
ali jornais expostos numa banca e então li, já não me recordo das palavras
exactas: «O presidente do Conselho português, doutor Oliveira Salazar,
gravemente doente.»
Durante anos procurei imaginar este dia, adivinhar todas as reacções,
as minhas e as dos outros, mas a notícia agora não me causava nem sombra de
emoção. Si, toda a minha vida sonhara com aquele momento, mas hoje… Como o brinquedo,
depois de ganho perde o interesse.
Augusto Abelaira em Sem Tecto, Entre Ruínas, Livraria
Bertrand, Lisboa Fevereiro de 1979.
Legenda: Flores para o Presidente Salazar.
Fotografia e legenda publicada no Notícias de Portugal nº 1116
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