A Cavalo no Diabo
José Cardoso Pires
Publicações Dom Quixote, Lisboa Novembro de 1994
Entre a Praça do Chile, e os bilhares da Cervejaria
Portugália, na Avenida Almirante Reis, é que os pequenos corsários da
Lisboa-Leste daquele tempo comentavam à meia-boca os seus golpes nas galdérias
da má-vida. Designavam-se a si mesmos por “imperadores” (“imperadores do Chile”)
porque era a partir da Praça do Chile que iniciavam a descida à cidade
nocturna, vindos de Arroios, do Alto do Pina ou das azinhagas da Picheleira.
Vestiam à castigador segundo o figurino dos gangsters dos
filmes da série C e assobiavam os swings do Glenn Miller que era o Strauss
daquela época, traduzido pela Orquestra Casanova, a dos bailes mais selectos
dos clubes populares. Foi numa dessas sessões recreativas que conheci o
escultor Lagoa Henriques muito tímido e curioso, a ver passar os leões.
Desdenhosos e de sobrancelha levantada, nunca vi imperadores
mais receosos do que aqueles. Avaliavam à distância os bares do Cais Sodré ou
as mariposas da Avenida que era onde faziam lei os chulos de protocolo com a
polícia. Bordejavam o Intendente em aproximações comedidas; espreitavam por
entre o fumo, mediam o clima. À falta de melhor, iam abater desgraçadinhas para
os bailes de banjo e rifa a prémio ou tentavam o Salão das Manas Pretas, que
era todo em tangos a galope de viúvas a arfar. Mas aí só em caso de desespero
porque as matronas à solta buliam de desconfiança e não davam o menor amparo a
quem lhes olhasse para os ouros. Ir ali era ir aos pobres, como dizia o Sami do
Alto do Pina que, numa volta à Gardel, ficou sem uma medalha de prata que lhe
dava muita fé.
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