Com 88 anos, morreu, hoje, o poeta António Ramos Rosa.
O Público revela que, já
muito fragilizado, o poeta, que estava hospitalizado desde quinta-feira, teve
ainda forças para escrever esta manhã os nomes da sua mulher, a escritora
Agripina Costa Marques, e da sua filha, Maria Filipe. E depois de Maria Filipe
lhe ter sussurrado ao ouvido aquele que se tornou porventura o verso mais
emblemático da sua obra – “Estou vivo e escrevo sol” –, o poeta, conta a
filha, escreveu-o uma última vez, numa folha de papel.
Em Novembro de 1988 atribuíram-lhe o Prémio Pessoa.
Homem simples que sempre foi, espantou-se, mas ficou muito
feliz.
Acho que um prémio assim é uma reparação que se faz à poesia
Viveu sempre tentando ficar longe da fama mas a qualidade da
sua poesia não permitiu a plenitude desse refúgio
Gostava de ter sido pintor, a poesia é também uma forma de
pintar, se quiserem, também o contrário.
Viveu sempre com enormes dificuldades económicas, tal como,
por exemplo, confidenciava numa carta enviada a Jorge de Sena.
Uma frágil saúde multiplicou todas essas dificuldades mas não
impediu o seu combate, desde os tempos do MUD Juvenil, pelo carácter, pela
consciência, pela poesia liberdade livre, título de um seu livro de crítica e
ensaio publicado, em 1962, pela Moraes Editora.
Quem escreve quer
morrer, quer renascer
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore.
Quem escreve quer ser terra sobre terra,
solidão adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.
num ébrio barco de calma confiança.
Quem escreve quer dormir em ombros matinais
e na boca das coisas ser lágrima animal
ou o sorriso da árvore.
Quem escreve quer ser terra sobre terra,
solidão adorada, resplandecente, odor de morte
e o rumor do sol, a sede da serpente,
o sopro sobre o muro, as pedras sem caminho,
o negro meio-dia sobre os olhos.
Foi tradutor,
professor e também empregado num escritório, donde resultou o poema O Funcionário Cansado, que faz parte
do seu livro O Grito Claro:
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.
No prefácio de Ocupação do Espaço, publicado na excelente
colecção Poetas de Hoje,
editado pela Portugália (Novembro de 1963), E.M. Melo e Castro escreve:
…a presença única do homem e a beleza do seu
«gostar» da vida dão-nos a medida maior desta Poesia que já hoje é, por isso
mesmo, uma das Maiores da Moderna Poesia Portuguesa.
Gastão Cruz num
texto publicado por ocasião dos 80 anos de António Ramos Rosa:
Para a minha geração, António Ramos Rosa representou, se não
propriamente a abertura, a consolidação de uma via, paralela, sem dúvida, a
algumas outras igualmente decisivas, mas especialmente consciente das
exigências da inovação e da modernidade.
Legenda: caricatura de Rui, publicada em O
Jornal, 18 de Novembro de 1988.
Sem comentários:
Enviar um comentário