quinta-feira, 26 de setembro de 2013

EVOLUÇÃO NA CONTINUIDADE


 26 de Setembro de 1968.

Américo Tomás, às 21,30, pela televisão, com voz aos tropeços nos soluços, anuncia a exoneração de Oliveira Salazar, terminando a comunicação com a nomeação de Marcello Caetano, uma mera evolução da continuidade.

José Gomes Ferreira comentará nos seus Dias Comuns:

E assim o Carmona III nomeou o Salazar II.





 Miguel Torga no 11º volume do seu Diário:

Na História do mundo nada aconteceu, mas na de Portugal acabou um reinado, uma época – trágica, como se há-de ver -, uma maneira específica de governar, qualquer que seja a vontade do sucessor. Não existem heranças carismáticas. As circunstâncias, uma inteligência impassível, um certo sentido de grandeza pessoal, o conhecimento satânico do preço dos homens, a obstinação, o oportunismo, a ousadia, a crueldade e o desprezo podem num dado momento fazer do mais apagado indivíduo um chefe providencial. Mas quando o ídolo, ou o déspota, obrigado pela força ou pela erosão do tempo, é removido do pedestal, leva anos, às vezes séculos, a surgir outro. De maneira que tão cedo não estamos em perigo de novo ditador, mesmo que a nostalgia de alguns o sonhe ressuscitado. Resta apenas perguntar o que vai ser agora do nosso espírito bambo, mole, incapaz de encontrar sozinho a tensão de que todo o espírito activo necessita. Sem hábitos de liberdade e aliviados da canga do opressor que alimentava em nós, apesar de tudo, um salutar complexo de Édipo, a que outra razão de luta iremos pedir energias? Por quem substituiremos o pai tirano que combatíamos?

Legenda: O Sr. Almirante Américo Thomaz lendo a sua comunicação ao País.


Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1117.

Sem comentários: