26 de Setembro de 1968.
Américo Tomás, às 21,30, pela televisão, com
voz aos tropeços nos soluços, anuncia a exoneração de Oliveira Salazar,
terminando a comunicação com a nomeação de Marcello Caetano, uma mera evolução
da continuidade.
José Gomes Ferreira comentará nos seus Dias Comuns:
E assim o Carmona III nomeou o Salazar II.
Miguel Torga no 11º volume do seu Diário:
Na História do mundo nada aconteceu, mas na de Portugal acabou um
reinado, uma época – trágica, como se há-de ver -, uma maneira específica de
governar, qualquer que seja a vontade do sucessor. Não existem heranças
carismáticas. As circunstâncias, uma inteligência impassível, um certo sentido
de grandeza pessoal, o conhecimento satânico do preço dos homens, a obstinação,
o oportunismo, a ousadia, a crueldade e o desprezo podem num dado momento fazer
do mais apagado indivíduo um chefe providencial. Mas quando o ídolo, ou o
déspota, obrigado pela força ou pela erosão do tempo, é removido do pedestal,
leva anos, às vezes séculos, a surgir outro. De maneira que tão cedo não
estamos em perigo de novo ditador, mesmo que a nostalgia de alguns o sonhe
ressuscitado. Resta apenas perguntar o que vai ser agora do nosso espírito bambo,
mole, incapaz de encontrar sozinho a tensão de que todo o espírito activo
necessita. Sem hábitos de liberdade e aliviados da canga do opressor que
alimentava em nós, apesar de tudo, um salutar complexo de Édipo, a que outra
razão de luta iremos pedir energias? Por quem substituiremos o pai tirano que
combatíamos?
Legenda: O Sr. Almirante Américo Thomaz lendo a sua
comunicação ao País.
Fotografia e legenda do Notícias de Portugal nº 1117.
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