segunda-feira, 9 de setembro de 2013

DE QUE NÃO FALAMOS QUANDO FALAMOS MUITO


As palavras afastam. E porquê? Parole, parole, words, words, words. Palavras. Vivemos ensopados até aos ossos de palavras, explicavam as sombras silenciosas do convento de Muros. Palavras sábias, palavras-truque, palavras-chave. Palavras consensuais. Palavras-surpresa. Palavras oportunas. Palavras urgentes usadas por cada um com mais ou menos eficácia.
Em Muros, no antiquíssimo e modesto convento franciscano, com as suas hortas tão poeticamente organizadas no meio de uma floresta. Com uma via-sacra que leva ao cimo da montanha e um caminho de árvores seculares que conduz à praia, pareceu-me estarmos ainda mais afastados de nós mesmos e içados pelas palavras a um lugar tão alto que a realidade das coisas se torna vertiginosa. Se entre nós e as palavras há «metal Fundente», como tão bem diz o definitivo poema de Cesariny, «You are Wellcome to Elsinore», entre as coisas e as palavras jamais saberemos o que se intrometeu, para além de uma espécie de óleo cada vez mais industrial e mutável, que as articula ao seu nome. Como escreveu Ramón Gomez de la Serna, «os rios não conhecem os seus nomes». Pascoaes vai mais alto: «Deus não sabe como se chama.» E, quanto à literatura, escreveu o poeta de Regresso ao Paraíso: «A literatura é anti-divina e anti-satânica, um produto industrial.» No inebriante silêncio de Muros ia pensando que, mais do que evidenciadas preocupações com o próximo milénio, melhor seria invertermos o sentido da análise, regressando pacientemente, pelo caminho estreito, ao sabor primeiro do verbo baptismal
E a Galiza e a sua Costa da Morte que leva à finisterra seria uma bela paisagem para começar uma qualquer nova língua. E que Pascoaes diga que «no planeta há montes, campinas, rios, lagos, etc., mas não há qualquer paisagem». Eu digo que há: a Galiza.

Manuel Hermínio Monteiro, Ler s/d

Legenda: Costa da Morte, óleo de Rubén de Luis

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