sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
CORREIOMANHADAS
O mais recente relatório da Associação Portuguesa para o Controlo de
Tiragem e Circulação revela que o Correio da Manhã continua a ser o
diário mais vendido em Portugal.
Pela história aqui contada torna-se fácil perceber das
razões do triste sucesso.
Um público muito pouco exigente, que adora o sensacionalismo,
que gosta de mergulhar na podridão de notícias sórdidas, de escândalos merdosos
de gente da sociedade jet-set ou cor-de-rosa, é, desde o primeiro número (19 de
Março de 1979), o painel comprador e leitor da pasquinada.
Foi Mário Soares que um dia (Público 4 de Abril de
2009) contou como nasceu a folheca.
Perante o insucesso de vendas de A Luta, Mário Soares
pediu a Willy Brandt que enviasse alguém a Portugal para explicar como se fazia
um jornal que vendesse.
O especialista chegou e disse:
Se querem ganhar dinheiro, nunca metam política na primeira página e
não metam também notícias importantes, ponham mulheres e crime.
Mário Soares franziu o nariz. Vítor Direito chegou-se à
frente e disse:
Se não querem pegar nisto, eu vou pegar nestas ideias.
JORNALISMO DE SARJETA
Facto:
Na sequência da
notícia de que pai de Carlos Mané é suspeito de tráfico de droga, Leonardo
Jardim reforçou o moral do jogador.
O treinador do Sporting, Leonardo Jardim, afirmou que o futebolista Carlos Mané é um exemplo
e um grande profissional, deixando elogios ao crescimento do jogador.
Fico triste com este tipo de notícias, que tenta influenciar a
performance de um jovem atleta de valor. O pai do Mané está fora do país há
mais de um ano e só agora se lembraram, porque fez dois golos e está na
primeira equipa, mas isso não o vai influenciar, disse o técnico,
comentando uma notícia do Correio da Manhã, que refere que o
pai do futebolista é suspeito de tráfico de droga.
O jornalismo de sarjeta no seu melhor!
O jornalista Ferreira Fernandes deixou hoje no Diário
de Notícias, uma belíssima e judiciosa crónica sobre o vómito que a
notícia do Correio da Manhã constitui.
Convém lembrar que esta gente não é inocente, sabem o que
estão a fazer, seguem à risca as ordens da administração que lhes mandam vender
papel a qualquer preço, mesmo quando põem a dignidade de cidadãos.
No DN colaborou em tempos Fernando Pessoa, um bêbedo. Um tipo que era
apanhado, não poucas vezes, em flagrante de litro. Para desculpa do DN,
naqueles tempos ainda não havia o arsenal de leis purificadoras que permite,
hoje, o Correio da Manhã (salve, ó bíblia dos costumes morigeradores!) tirar os
seus jornalistas da perdição. Um jornalista tipo CM vai para uma reportagem e
salta-lhe ao caminho o advogado da empresa: "Fulano, vamos lá ao nosso
exame de deontologia!" O advogado aponta a linha reta feita a giz que o
jornalista, de braços abertos, tem de percorrer sem bambolear. Exame
conseguido, o jornalista já pode ir fazer, por exemplo, a manchete de ontem do
CM: "Pai de Sicrano em fuga por tráfico de droga". Não importa que o
Sicrano, de 19 anos, não tenha culpa dos tráficos do pai. Leva com o seu nome,
o traje de trabalho (Sicrano é jogador de futebol) e a foto na primeira página.
Algumas almas piedosas podem não achar isto bonito, mas o importante, não é?, é
que aquela manchete não foi feita por um bêbedo. Um jornal com manchetes
alcoólicas, fontes anónimas e jornalistas sóbrios. E, suspeito, talvez outros
jornais lhe sigam o exemplo. Infelizmente, eu, que sempre bebi pouco, tenho de
declarar que nunca soprarei o balão numa redação. Cruzei-me com alguns
camaradas talentosíssimos e bêbedos, e, esgotadas todas as tentativas de lhes
chegar às canelas, quero guardar a última esperança de o conseguir com uns
copos.
NOTÍCIAS DO CIRCO
O Parlamento
aprovou esta sexta-feira a "criação urgente de um Grupo de Trabalho sobre
o Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico", só com os votos do
PSD e sete deputados do CDS.
Os restantes deputados centristas votaram contra este projeto de
resolução, que vem assinado pelas bancadas da maioria.
Os dois projetos de resolução do PCP e do BE que pediam a
"renegociação ou desvinculação" do Acordo Ortográfico, no caso da
proposta comunista, e a "revisão" do mesmo, na proposta bloquista,
foram chumbados.
É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS
Anúncio da Movieplay Portuguesa para uma compilação de músicas de José Afonso, publicado na contracapa da revista Ler nº 34, Primavera de 1996
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
DESAVENÇAS
O Parlamento Europeu
realizou ontem um debate sobre o resultado do referendo suíço do dia 9, em que
a maioria dos suíços, 50,3%, votaram a favor do "Sim" da imposição de
quotas para imigrantes e mão-de-obra estrangeira. Durante o mesmo, os ânimos
exaltaram-se e vários eurodeputados trocaram acusações.
Não raro, quando
vejo uma referência à Suiça, ocorre-me o Orson Welles no filme O Terceiro Homem de Carol Reed que muitos dizem ter todos os dedos de Welles
na realização do filme:
Um país que é um
modelo de ordem, de organização, de seriedade, mas o que deu ao mundo? O
relógio de cuco.
Ana Cristina
Leonardo, numa crónica no Expresso,
escrevia que o suíço de que mais gostava era Robert Walser.
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QUOTIDIANOS
Hoje fui apanhado a falar sozinho por essas ruas… Que
o primeiro poeta que nunca falou sozinho pelas ruas se levante e me atire a
primeira estrela! Cá nós, os poetas, nunca atiramos pedras uns aos outros. Só
atiramos estrelas.
E eu, às três da madrugada com passos de rasgar chão,
a ouvir ranger nos sapatos o violoncelo da minha solidão…
HINO DE CAXIAS
Sempre tive como referência que a autoria do Hino
de Caxias, pelo menos a sua letra, é do poeta Vasco da Costa Marques. Há
fontes que também lhe atribuem a autoria da música.
Também há quem considere que o Hino de Caxias é um
trabalho colectivo em que terá colaborado Vasco da Costa Marques juntamente com
outros seus camaradas presos na mesma cela em Caxias.
A única versão que possuo do Hino de Caxias faz parte
de uma gravação ao vivo, editada em cassette, de um espectáculo realizado no Pavilhão
dos Desportos, nos dias 18 e 19 de Março de 1977, com texto de José
Carlos Ary dos Santos, Manuel Branco, Joaquim Pessoa, Rui Pedro, João Rodrigues,
Ruben de Carvalho e publicada pelas Edições Avante.
Todas as canções interpretadas no espectáculo têm indicação
dos respectivos autores, excepto o Hino de Caxias o que, provavelmente,
remete para a sua autoria colectiva.
Seja como for, trata-se de uma peça importantíssima da luta
contra a ditadura.
Longos corredores
nas trevas percorremos
sob o olhar feroz dos carcereiros
mas nem a luz dos olhos que perdemos
nos faz perder a fé nos companheiros.
Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.
Cortam o sol por sobre os nossos olhos
muros e grades encerram horizontes
mas nós sabemos onde a vida passa
e a nossa esperança é o mais alto dos montes.
Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.
Podem rasgar meu corpo à chicotada
podem calar meu grito enrouquecido
que para viver de alma ajoelhada
vale bem mais morrer de rosto erguido.
Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.
mas nem a luz dos olhos que perdemos
nos faz perder a fé nos companheiros.
Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.
Cortam o sol por sobre os nossos olhos
muros e grades encerram horizontes
mas nós sabemos onde a vida passa
e a nossa esperança é o mais alto dos montes.
Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.
Podem rasgar meu corpo à chicotada
podem calar meu grito enrouquecido
que para viver de alma ajoelhada
vale bem mais morrer de rosto erguido.
Vá camarada mais um passo
que já uma estrela se levanta
cada fio de vontade são dois braços
e cada braço uma alavanca.
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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
OLHAR AS CAPAS
O Dito e o Feito
João Martins Pereira
Capa: José Cerqueira
Edições Salamandra, Lisboa 1989
Morreu o Zeca Afonso. Mal o conheci, porque assim o quis a minha quase
obsessiva, e talvez ridícula, fuga aos ídolos, mesmo os que venero, mesmo, como
era o caso do Zeca, os «involuntários» - os anti-ídolos. Mas sofri, melhor, revoltei-me, com a sua doença como se fosse um amigo. E
nem sequer estive em Setúbal messe último dia, porque não fui capaz de imaginar
que a «festa» se prolongaria até à noite. Deixo aqui registado o texto que me
pediu o Combate, e a que chamei «O
que faz falta…»:
«Ir a enterrar ao som das canções, horas a fio, pela noite dentro: é
belo. Só um poeta a tanto pode aspirar. Mas não chega ser poeta, bem chega de
poemas fazer canções, nem mesmo chega que as canções nos fiquem no ouvido e nos
ocorram, quase sem querermos, aos lábios. Não. Para que isso aconteça, é
preciso que cada um de nós, vindos de tantos lados, por tantos caminhos,
andarilhos de tão diferentes jornadas, sinta aquelas canções como saídas de dentro de si – do melhor que há dentro de si. É
então que reconhecemos no poeta, naquele
poeta, a nossa própria voz, a que disse o que gostaríamos de saber dizer ou de
poder dizer. O que disse o que não fomos, somos, capazes de dizer não tanto por
não sermos poetas, mas talvez bem mais porque não tivemos, não temos, a coragem
de o dizer.
É bom que se saiba que tal homem, tal poeta, que nos alimentou os
sonhos, as lutas, a vida, é o oposto, o radicalmente oposto, do político que todos os dias nos diz os
seus esforços para resolver os nossos problemas, para quem a nossa voz se
exprime em votos e não em poemas, que nos fala para ser ouvido e não para ser
cantado, que não nos conhece nem pretende conhecer-nos – que um dia porventura “se
curva perante a memória do poeta” como mero acto protocolar de que pode colher
alguns dividendos. O poeta, esse de quem falo, é avesso a actos protocolares e
ignora a palavra “dividendo”. Não merece sequer que lhe venham a chamar “generoso”,
ou “abnegado”, ou “impoluto lutador”, ou etc., etc.
Merece, isso sim – e teria merecido muito mais, é sempre tarde que o
sabemos! – que lhe cantem as canções quando desce à terra. E que lhas fiquem a
cantar ainda depois de morrerem todos os políticos. E que um dia, quem sabe,
como noutro dia aconteceu, possam transformá-las em hinos de vitória.
Os povos sabem que são homens como o Zeca Afonso que lhe fazem falta.»
Nota do editor: Esta
capa deveria ter sido publicada no dia 33 quando passaram 27 anos sobre a morte
de José Afonso. Um erro de programação remeteu-a para hoje. Como cá pela casa
não precisamos de exactas efemérides para falar de quem gostamos, a preocupação
pelo erro não nos incomoda.
O importante é não esquecer!
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José Afonso,
Olhar as Capas
O Q'UÉ QUE VAI NO PIOLHO?
A madre Bernarda
enche os copos de vinho.
Madre Bernarda: Esta preciosidade é oferta da casa. Quem
sabe se não estaremos no limiar de uma nova era? Suportámos longamente a era do
abandono. Talvez estejamos a entrar na
era da hospitalidade.
João de Deus tira
duas cigarrilhas e oferece uma à madre Bernarda. João de Deus
(acendendo as cigarrilhas): Com a recrudescência dos fascismos à perna?
Madre Bernarda
(expelindo uma baforada): Vou proferir uma blasfémia, mas como Staline dizia, o melhor fascista é
o fascista morto. Para que a Besta do apocalipse não ressurja. Nunca mais.
Fazem um brinde e
bebem.
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O Qu'é Que Vai No Piolho?
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
O SENHOR COLUNA (1935-2914)
Era assim que Eusébio – e não só! - tratava Mário Esteves Coluna que hoje, em Maputo, morreu aos 78 anos.
Era o respeito e a ternura
por um grande senhor do futebol, respeito partilhado por todos os que foram seus
companheiros de equipa, ou que com ele conviveram.
O grande capitão, ou
o monstro sagrado, colocado,
pelas respectivas instâncias, no leque dos 100 melhores jogadores mundiais do
Século XX.
Quando Coluna chegou
ao Benfica, tinha eu 9 anos e desde os 6 que via futebol.
Estou agora sentado nas
bancadas de pedra do velho Estádio da Luz, ao lado do meu avô que se protegia
do sol com um chapéu feito de folhas de jornal.
Não lembro agora se
assisti à estreia de Coluna, mas acompanhei toda a sua carreira, vi o
suficiente para dizer que quando colocou no braço a braçadeira de capitão, que
lhe deixou um outro grande capitão e brilhante jogador que se chamava José
Águas, aqueles rapazes passaram a ter um ser solidário e humano e que os ajudou
a voarem mais alto. Homem de poucas falas, sereno, nunca necessitou de gritos
para impor respeito e disciplina.
Bastava um simples
olhar.
Lembro-me do meu pai
dizer que era nos jogos que o Benfica fazia fora da Luz fora da Luz, que o seu
gigantesco trabalho de sapa, de luta mais sobressaía.
O Benfica daqueles
tempos foi o que a história regista, montra de grandes jogadores, que se
tornaram ainda maiores por ao lado terem aquela figura incontornável de homem
sabedor e solidário.
No banco estava um
treinador mas dentro do campo havia aquele maestro.
O que fazia toda a
diferença.
Já não há jogadores
assim, aliás no futebol já nada é como no tempo em que me sentava, com o meu
avô, nas bancadas de pedra do Estádio da Luz.
Saudades…
Passados todos estes tempos, e para se perceber o quanto
Coluna era importante na manobra da equipa, mantenho uma certeza: o Benfica não
ganhou a terceira Taça dos Campeões Europeus, contra o Milan, Wembley, 25 de Maio
de 1963, uma bonita tarde de sol, televisão a preto e branco, porque,
propositadamente ou não, quando o Benfica ganhava por um a zero, inevitável
golo de Eusébio, os italianos, nos primeiros minutos da 2ª parte, lesionaram
gravemente Mário Coluna.
Porque para além do inesquecível ferrolho, os italianos
tinham por lá uma rapaziada que faziam do pontapé e da canelada a sua matriz de
jogo. Cirandava na equipa Trapattoni que, muitos anos depois, como treinador,
seria campeão no Benfica.
Não havia substituições, Coluna esteve longo tempo a ser assistido
e só regressou, muito debilitado, a escassos minutos do fim do jogo. Já o Milão
tinha batido por duas vezes o Costa Pereira, dois golos da autoria de um tal Altafini,
brasileiro naturalizado italiano.
Terminada a carreira, quando aconteceu o 25 de Abril, Mário
Coluna respondeu ao aceno que Samora Machel lhe endereçou para voltar a
Moçambique, terra natal, onde desempenhou funções governativas e desportivas.
Aos poucos vão desaparecendo os nomes grandes da minha
juventude, as minhas referências.
Os escritores e os cantores encontro-lhes as obras nas
estantes mas para aquelas maravilhosas jogadas, aqueles gritos de golo na
garganta… apenas a memória.
Fazer o resto do caminho em silêncio, um exercício sempre
solitário e repleto de tristeza.
Em meia dúzia de dias Eusébio e Coluna deixaram-nos.
Que horrível começo de ano!
Legenda: Mário Coluna passeado em ombros na sua Festa de Despedida, 8 de Dezembro de 1970.
Fotografia tirada de 100 Anos de Lenda, Diário de Notícias Lisboa, Dezembro de 2004
OLHAR AS CAPAS
Maria Eugénia Varela
Gomes – Contra Ventos e Marés
Maria Manuela
Cruzeiro
Capa: Margarida
Baldaia
Colecção Campo da Memória
nº 12
Campo das Letras,
Porto, Dezembro de 2003
A oposição civil
vivia a sonhar com a revolta militar… Foi uma coisa que eu rapidamente entendi.
E houve um homem que me fez entender melhor do que ninguém: foi o Sousa
Tavares. É que eles queriam a revolta militar. O Sousa Tavares vivia pendurado
em militares, só queria militares…
Porque o terror que
eles tinham era de uma revolução com o povo, que eles não controlassem e que se
pudesse caminhar para a esquerda. Portanto o putch militar era com que toda a
oposição antifascista, não comunista, sonhava. E era… chegava a ser
impressionante a pressão… sobre os militares. E a má vontade e a irritação contra
os militares…
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Maria Eugénia Varela Gomes,
Olhar as Capas
QUOTIDIANOS
Temos de ser militantes do quotidiano. E somos muito
pouco militantes.
João Mota, em
entrevista ao Público, 5 de
Dezembro 2011.
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
OLHAR AS CAPAS
Depoimento
Marcelo Caetano
Distribuidora Record, Rio de Janeiro, 1974
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Marcelo Caetano,
Olhar as Capas
domingo, 23 de fevereiro de 2014
PORQUE HOJE É DOMINGO
Nestes dias vai acontecendo que o sol, apenas, aparece aos domingos.
Talvez por isso me lembrei de uma cantiga muito antiga, também muito ouvida na juke box da Esplanada do Marques na Trafaria, também muito dançada, diga-se.
Os filhos fartam-se de rir mas era assim.
25 de Abril à parte, não troco esses tempos por nada.
Bom domingo e aproveitem os bocadinhos de sol que acontecem lá fora.
NOTÍCIAS DO CIRCO
Falta de assinatura
do ex-ministro para subscrever a lista de Passos Coelho para o Conselho
Nacional foi contornada com uma declaração enviada por email
A dúvida instalou-se hoje de manhã no XXXV Congresso do PSD: como é
que, estando no Brasil, Miguel Relvas assinou a subscrição da lista de Pedro
Passos Coelho ao Conselho Nacional, a qual encabeçou? Segundo informações recolhidas
pelo DN, o antigo ministro enviou por email uma declaração escrita, o que foi
aceite pelo Conselho de de Jurisdição do PSD, que supervisionou as eleições
internas.
A lista liderada por Miguel Relvas ao Conselho Nacional do PSD foi a
mais votada com 179 votos, o que corresponde a 18 mandatos, mas seguida de
perto da lista da JSD, liderada por Pedro Pimpão, que conseguiu 141 votos e 14
mandatos.
A votação expressou o descontentamento dos congressistas. Apenas 23,4%
dos eleitores apoiaram a lista oficial apresentada por Pedro Passos Coelho
Fonte: Diário de Notícias
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Miguel Relvas,
Pedro Passos Coelho
COM OS QUAIS CONVERSA NORMALMENTE
Notícia da grande farsa: o presidente Salazar continua a receber alguns dos seus amigos mais íntimos, com os quais conversa normalmente.
Fonte: Notícias de Portugal nº 1138, 22 de Fevereiro de 1969
sábado, 22 de fevereiro de 2014
É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS
Acontece que no Boteco não há apenas Cromos e já tenho, para além dos ditos, colocado aqui alguns disco interessantes
O que vêem aí é um single promocional do álbum Rua da Saudade. que assinala os 25 anos da morte de Ary dos Santos, efeméride que ocorreu em 2009.
Custou-me cinquenta cêntimos, apesar de na contracapa estar assinalado venda proibida.
Como não sou da inspecção, trouxe-o para casa e, diga-se, que cinquenta cêntimos nem dá para beber, um café e esta descoberta vai fazer-me procurar o disco que, muito honestamente, me passou ao lado, não dei conta da sua publicação e, pela amostra, me parece interessante.
Há por lá canções do Fernando Tordo que esta semana nos deixou para fixar residência no Brasil.
OLHAR AS CAPAS
Os Anos Decisivos
Portugal 1962-1985
Um Testemunho
César Oliveira
Editorial Presença,
Lisboa 1993
Em Cuimba
pernoitámos após termos percorrido a escassa centena de quilómetros desde S.
Salvador.
Procurei aí o tal
capitão Ernesto Melo Antunes de quem, no calor de Luanda, o Assis Pacheco me
falara.
Relativamente baixo
e entroncado, óculos, sempre a fumar furiosamente cigarros de tabaco negro,
recebeu-me com uma relativa desconfiança, até lhe começar dar algumas referências
de que não podiam resultar equívocos ou incertezas. Abriu-se, então, num
sorriso que simultaneamente envolvia os olhos e a boca, deixando apenas
entrever os dentes, um sorriso «curto» e ao mesmo tempo franco e confiante, e
na medida em que a nossa conversa progredia, manteve ainda esse sorriso. Para
um canto do quarto (ou do gabinete?) que resguardava livros, e entregou-me para
ler Les Damnés de la Terre de Frans Fanon
– a «quase» Bíblia do anticolonialismo militante.
Lembro-me que lhe
carpi mágoas, lhe falei de deserções que tinham ocorrido há pouco tempo, mesmo ao lado do sector do nosso batalhão, no
Luvo, com oficiais milicianos, um dos quais oriundo de Cabo Verde. Respondeu-me
– naquele fim do mês de maio de 1964 – que o lugar dos antifascistas era nas
Forças Armadas, que todas as possíveis mudanças políticas só poderiam vir dos
militares que era necessário articular a sociedade civil com a militar em termos
da ruptura com o regime e da construção da democracia. Olhei e ouvi, meio
embasbacado, tanto me pareciam utópicas as palavras e os sonhos daquele capitão,
o mais civil dos muitos militares que conheci.
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Melo Antunes,
Olhar as Capas
O LIVRO DE SPÍNOLA
Foi há 40 anos.
Foi ontem.
Se quiser andar às voltas com a História, escolho este dia como a Hora
H do arranque do 25 de Abril, o dia em que o livro de General António de
Spínola, Portugal e o Futuro, apareceu nos escaparates das
livrarias.
Para trás ficaram as muitas reuniões que os capitães foram realizando
até chegarem à que aconteceu, 9 de Setembro de 1973, em Alcáçovas, onde é dada a picadela no elefante adormecido e fundado o Movimento dos Capitães.
A 22 de Fevereiro de 1974, é então posto à venda Portugal e o Futuro.
Sabe- se, é um pormenor da História, mas Spínola não escreveu o livro.
A redacção, e não só, está atribuída a um escritor-fantasma,
um oficial oriundo da numerosa e diversificada esfera spinolista.
Porque é difícil aceitar que Spínola, entre muitas outras que se
encontram no livro, tivesse a opinião de
que nunca a política de um governo pode ser autêntica se não se orientar
pelos anseios dos governados.
Demasiada areia para a cabeça de um personagem tido como vaidoso, com pouquíssima apetência cultural e demagogo.
A 11 de Março de 1974, Artur Portela Filho, publica, no República,
na sua coluna, A Funda, uma Carta Aberta ao General
Spínola.
Termina assim:
«Portugal e o Futuro» surge como «o livro esperado».
É possível, mas por quem?
Pela nossa parte o livro a escrever não é este – é
outro.
E será uma obra colectiva.
E assim começava:
No fenómeno que «Portugal e o Futuro» é, há a
distinguir duas coisas – o livro ele próprio e V. Ex.ª
Isto porque o que o livro diz é muito menos original
do que o facto de ser V. Ex.ª a dizê-lo.
V. Ex.ª e a sua circunstância.
De resto a circunstância de V. Ex.ª do que V. Ex.ª
Definindo a África como o problema mais agudo da nossa
geração, e propondo a criação de uma Comunidade Lusíada, clara e insofismavelmente
referendada, V. Exª não põe, ao país, uma opção nova – põe, ao país, a novidade
que é ser V. Exª a pô-la.
«Portugal e o Futuro» não é uma proposta nova.
V. Exª é.
Daí que, se há alguma coisa de decisivo neste livro,
é, muito simplesmente, - o autógrafo de V. Exª.
O que não provando a debilidade do livro, prova a força
que V. Ex.ª
Em 14 de Agosto de 1996, Vicente Jorge Silva, escreve no Público:
O Marechal Spínola ficará para a História não por
qualquer feito militar de relevo ou pela sua actividade militar mas por ter
escrito um livro. O 25 de Abril não foi obra de um livro. Mas sem esse livro e
sem a assinatura do seu autor, é provável que o sobressalto libertador que uniu
então as Forças Armadas não tivesse sido possível.
A 15 de Março um despacho enviado pela Secretaria-Geral da Presidência
do Conselho à Imprensa Nacional, para próxima publicação no «Diário do
Governo», exonerou os generais Costa Gomes e António de Spínola dos
cargos de chefe e vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, que
ocupavam por designação directa do chefe do Governo. Um outro despacho nomeou o
General Luz Cunha, que ocupava o cargo de comandante da Região Militar de
Angola, para suceder a Costa Gomes.
Por estes dias, irei repescar livros, discos, notícias, algo que é parte da minha memória do pré e pós 25 de Abril.
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Marcelo Caetano
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
NOTÍCIAS DO CIRCO
Começou hoje em Lisboa o 35.º congresso do PSD.
O líder da bancada parlamentar do partido, em conversa com
uma jornalista do Jornal de Notícias, lamentou que ex-dirigentes
sociais-democratas façam oposição interna por via do comentário televisivo.
Constatou o líder parlamentar: a vida das pessoas não está
melhor mas o país está melhor do que em 2011.
Acredita ainda que, face à vida melhor das pessoas, os
portugueses saberão reconhecê-lo nas eleições legislativas.
Leram bem?
Então não se esqueçam para depois não se lamentarem.
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Governo de Direita,
Notícias do Circo
QUOTIDIANOS
Um sem-abrigo de 33 anos foi detido pela PSP por suspeita de furto, em
Lisboa. Presente a tribunal, o juiz constituiu-o arguido com termo de
identidade e residência. Uma ironia do sistema. É que esta medida de coação não
foi concebida a pensar nas pessoas que não têm residência. O homem detido no
Beco da Galheta não tem casa, vive nas ruas, mas fica obrigado pelo tribunal a
não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem
comunicar a nova morada ou o lugar onde possa ser encontrado. Quando foi detido
pela PSP no Beco da Galheta, em Lisboa, o sem-abrigo tinha na sua posse 1165
euros em dinheiro, uma carta de condução roubada e cartões de memória micro
USB. Questionado pelos agentes, disse ter encontrado os bens na via pública.
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
A CAPITAL
Neste dia, no ano de 1967, saía o primeiro número de A
Capital
O jornal nasce de uma cisão dentro do Diário de Lisboa.
Sai o Director, Norberto Lopes, o sub-direcotr Mário Neves, e
alguns jornalistas acompanham essa saída, outros são recrutados.
Gente credível desse tempo, foi de opinião que a cisão tem
nas suas origens razões políticas. Sendo o principal jornal da oposição à
ditadura, o outro era o República, mas de menor circulação,
parte da redacção não concordava com o conservadorismo, a pouca definição
política de Norberto Lopes.
Conheço poucas opiniões sobre o sucedido.
Existe a de Mário Neves, publicada no Expresso de 1 de Dezembro de 1990 que, não duvidando da honestidade
de Mário Neves, me parece, apesar de tudo, pouco sustentável:
O Guilherme Pereira da Rosa, um
dos donos do DL, resolveu, por motivos familiares, vender a sua parte. Para
cumprir um pacto antigo, ofereceu primeiro a quota aos outros donos. Mas eles
ofereceram-lhe cinco mil contos, um preço excessivamente baixo tendo em conta que
o jornal estava muito vulgarizado. O Pereira da Rosa então vendeu ao Banco Nacional Ultramarino. Acontece que tudo isso se passou à revelia da redacção.
Quando soubemos, ficámos alarmados. Afinal de contas, o BNU estava ligado à situação a Salazar. O Norberto Lopes e eu,
que éramos director e director adjunto do DL resolvemos então sair.
Aconteceu que o Diário de Lisboa não deixou, de prosseguir a
luta, possível luta dada a censura, contra a política salazarista e, seja-me
permitida a opinião, ainda com mais rigor e vivacidade.
Curiosamente, Norberto Lopes na sua primeira Nota
do Dia em A Capital, a dado passo, cita La Bruyère: os homens seriam talvez piores,
se viessem a faltar-lhes os censores e os críticos.
Ele saberia do porquê da citação…
Neste primeiro número de A Capital é publicado o Suplemento
Literário, coordenado por Álvaro Salema.
Publica um polémico artigo de José Régio sobre o filme de
Arthur Penn Bonnie &Clyde que dá origem a uma longa polémica entre
jornalistas, críticos de cinema e escritores, com destaque para Agustina
Bessa-Luís, pouco dada a este tipo de aparições
Régio sustentava a opinião de que o filme não era uma obra
de arte e, pela sua violência seria prejudicial quando visto por jovens.
A crítica literária estava entregue a Fernanda Botelho,
Rogério Fernandes e José Saramago.
O futuro prémio Nobel da Literatura, fazia a crítica ao
livro Vida Crioula de Teobaldo Virgílio, que terminava assim:
Vida Crioula é uma bela afirmação de vitalidade. Do seu
autor e da capacidade criadora do cabo-verdiano. Não nos fará mal nenhum (e
apostemos que muito bem nos fará) olhar com atenção para a literatura de Cabo
Verde. Lá se escreve um excelente português – coisa de que vamos estando
desabituados no Chiado…
O último número de A Capital, foi publicado no dia 30de Julho de 2005.
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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
NOTÍCIAS DO CIRCO
Os salários
nominais dos trabalhadores portugueses têm de cair mais para o país reduzir o
seu défice externo nos próximos dez anos.
A Comissão Europeia já fala em 5% ou mais em cima do corte médio de
5,3% já regista desde 2010 até à data. Tal como referiu ontem o FMI, que
levantou sérias dúvidas sobre a eficácia das "centenas" de reformas
que o Governo disse ter feitos nos últimos dois anos e meio, hoje a Comissão
Europeia, no seu relatório da décima avaliação, vem levantar dúvidas graves
sobre o ajustamento do mercado de trabalho.
O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?
CINEMA
Comunidade das pequenas salas de cinema, não muita gente, e a que houver tocada em cheio como o coração tocado por um dedo vibrante, tocada, a pequena assembleia humana, por um sopro nocturno, uma acção estelar. Não se vai lá em busca de catarse directa mas de arrebatamento, cegueira, transe. Vão alguns em busca de beleza, dizem. É uma ciência de ritmo, ciclo, luz miraculosamente regulada, uma ciência de espessura e transparência da matéria? De todos os pontos da trama luminosa, ao fundo da assembleia sentadamente muda morrendo e ressuscitando segundo a respiração na noite das salas, a mão instruída nas coisas mostra, rodando quintuplamente esperta, a volta do mundo, a passagem de campo a campo, fogo, ar, terra, água, éter (ether), verdade transmutada, forma. A beleza é a ciência cruel, imponderável, sempre fértil, da magia? Então sim, então essa energia à solta, e conduzida, é a beleza.
Porque as pessoas amam a morte, a sua morte, figurativa, figurada,
figurante, e amam o restabelecimento da vida. Esta é uma espécie de nomeação
física que arranca à decadência em nós esparsa das imagens naturais, e
transmite, em disciplina e cortejo, o prodígio e o prestígio dos objectos em
torno movidos por um inebriamento cerimonial. Refazemos a natureza em imagens
simbólicas que podem interpretar literalmente. A escrita não substitui o cinema
nem o imita, mas a técnica do cinema, enquanto ofício propiciatório, suscita
modos esferográficos de fazer e celebrar. Olhos contempladores e pensadores,
mão em mãos seriais, movimento, montagem da sensibilidade, música vista (ouçam
também com os olhos!), oh, caminhamos para a levitação na luz!
Alguns poemas já tinham ensinado uma sabedoria de olhar (cf.
Divergência entre Goethe e Schiller acerca da objectividade) e, pois, uma
sabedoria de ver. Certas montagens poemáticas ditas espontâneas, inocentes (de
que malícias dispõe a inocência?), processos de transferir blocos da vista –
aproximações, fusões e extensões, descontinuidades, contiguidades e velocidades
– transitaram de poemas para filmes e circulam agora entre uns e outros,
comandados por arroubos da eficácia. O arroubo é uma atenção votada às miúdas
cumplicidades com o mundo, o mundo em frases, em linhas fosforescentes, em
texto revelado, como se diz que se revela uma fotografia ou se revela um
segredo. O poema, o cinema, são inspirados porque se fundam na minúcia e rigor
das técnicas da atenção ardente.
Alimentamo-nos de imagens emendadas, de representações conjugadas
simbolicamente, pontos fortes,punti
luminosi, pensamentos bucais, “o pensamento forma-se na boca”, Tzara,
nos olhos, irrompe ali, todo este fluxo, aqui, diante do medo, do júbilo, do
êxtase, oh soberba antologia da magnificação quotidiana segundo o princípio do
absoluto! Muitas erratas, muita pontuação, muito recurso à parcimónia, até
Beethoven pegar na Ode à Alegria e o
triunfo erguer-se, frente aos olhos, dos recessos da dor, filme, mágica
prestidigitação tão calculadamente intempestiva nas pequenas salas escuras, o
écran defronte.
A imagem é um acto pelo qual se transforma a realidade, é uma gramática
profunda no sentido em que se refere que o desejo é profundo, a profunda a
morte, e a vida ressurecta. Deus é uma gramática profunda.
Herberto Helder em Poemas Com Cinema, antologia
organizada por Joana Matos Frias, Rosa Maria Martelo, Assírio & Alvim,
Lisboa Novembro de 2010
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O Qu'é Que Vai No Piolho?
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
QUOTIDIANOS
O músico Fernando Tordo vai deixar o país, no próximo dia
18, com destino ao Brasil onde pretende continuar a trabalhar na área musical
Dos jornais
CARTA AO PAI
Ontem, o meu pai foi-se embora. Não vem e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos. A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira. Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar. Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós - e como todos os autores destes singelos insultos -, fez aquilo que lhe restava fazer. Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje - Carminho, Carlos do Carmo, Marisa, são incontáveis - fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música. Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha. Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar. Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora. Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.
Carta que João Tordo disponibilizou no seu blogue
Legenda: pormenor da
capa, da autoria de Jorge Simões, do álbum Anticiclone de Fernando Tordo.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
POSTAIS SEM SELO
Que não o ouça o diabo, senhor ministro. O diabo tem tão bom ouvido que
não precisa que lhe digam as coisas em voz alta, Valha-nos então deus, Não vale
a pena, esse é surdo de nascença.
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Postais Sem Selo
DITOS & REDITOS
Inventar coisas felizes.
Guardar a secreta esperança.
Melancolia miudinha.
Sorrir é iluminar.
Histórias em noites de lua cheia.
Donos dos nossos silêncios e reféns das nossas
palavras.
A vida é curta.
Só a rotina faz a vida normal.
O mundo gosta de ser aldrabado.
Mãos sujas de trabalho é ser alguém.
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
QUOTIDIANOS
Depois de no domingo voltarmos a saber o que é um dia de sol, o
cinzento abateu-se, de novo, sobre a cidade.
Andamos para tirar uma série de fotografias, diariamente adiadas pelo
tempo que tem feito.
Aproveitar, então, o dia para colocar recortes no arquivo, olhar os
jornais atrasados amontoados ao canto da sala que mostram que cerca de 5% dos
sem-abrigo de Lisboa têm um curso superior, que o trabalho escravo deixou de se
circunscrever ao Alentejo e alastrou pelo país fora, que o sorteio, em que o
governo, aos que pedem factura com número
de contribuinte, oferece automóveis topo de gama, parece convencer poucos consumidores,
enquanto o dono de um pequeno cafés se lamenta que, enquanto está um
cliente à espera que eu coloque os números no computador, estão quatro à espera
que eu tire um café, que juízes absolveram todos os arguidos do caso
dos submarinos que umas dezenas de
quadros de Miró, propriedade do BPN
,saíram ilicitamente de Portugal para serem leiloados em Londres, que o primeiro-ministro
com aquela cara de sacaninha-pequenino diz que estamos
a caminhar para viver dentro das nossas possibilidades, que a presidente da Assembleia da Republica sonha
todos as noites com cravos a enfeitar chaimites, feitos pela Joana Vasconcelos
para as comemorações do 25 de Abril, que
a maioria dos bancos encerraram os seus exercícios com milhões de euros de
prejuízo o que faz anunciar redução de salários e mais negociações para
diminuir o número de trabalhadores, que os agentes culturais dizem que a
cultura está a morrer em Portugal, que no final de 2013, o Estado tinha 563.595
trabalhadores, menos 22.000 do que no ano anterior, que ainda não se sabe se
sairemos do estrangulamento troikiano à irlandesa, ou se será uma saída limpa, seja
lá o que isso for, apenas a certeza de que o que vier a suceder nos vai
enterrar em mais austeridade, enquanto que Paquete de Oliveira, provedor do
leitor do jornal Público,
termina, deste modo, um dos seus
comentários:
O calendário que se segue é reinventar um país sem
Eusébio.
O que me leva a regressar à leitura de um belo relato que Manuel S.
Fonseca deixou no Escrever Triste:
Pé esquerdo puxa a bola para o pé direito e, corda
invisível, amarra o defesa louro. Pé direito devolve a bola para o bailarino
pé esquerdo e, raio laser de filme, há um guarda-redes imobilizado. Pé
esquerdo amoroso, gentil, inteligente, científico, artístico, remata em
vólei, colocadíssimo, colando a bola às redes junto ao poste esquerdo da
baliza dos aturdidos, paralisados, adversários. Enzo Pérez, argentino,
nascido em Mendoza, nas bordinhas das Cordilheiras do Andes, sabe que
acabou de assinar uma obra-prima. Foi golo e Enzo corre, salta e abraça. A
seguir, comove-se e deixa correr uma lágrima. De ternura, saber-se-ia depois…
Será que amanhã vai continuar a chover?
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COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...
Andei ás voltas no Baú e consegui encontrar um bilhete do Londres.
Sessão da tarde do dia 15 de Março de 1993.
Contrariamente ao que costumo fazer, não coloquei nas costas do bilhete o filme que vi.
Mas sei que o último filme que vi no Londres foi Mamma Mia, filme baseada nas canções dos Abba.
O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?
O cinema Londres, que fechou portas nos
primeiros dias do ano passado, vai ser, segundo os jornais, transformado em
loja de venda de produtos chineses.
Bem localizado, o Londres inaugurado em 1972, veio dar
mais brilho a uma das zonas mais interessantes de Lisboa, aquele eixo
Alvalade/Avenida de Roma/Areeiro.
Hoje já não é tanto assim.
Uma muito agradável sala de cinema, criteriosa programação,
as cómodas cadeiras que não mais serão esquecidas por quem nelas se sentou.
Nada a fazer, os tempos são assim e já não são de hoje.
Já assistimos à transformação do Cinema Império em local
de culto de uma seira religiosa, já assistimos a tanta coisa das coisas que têm
vindo a acontecer, um pouco por todo o país às salas de cinema, e não só.
Restam as memórias.
Uma sessão da meia-noite para ver o Céu Aberto de Howard
Hawks, que tem agarrada uma história que, um dia, contarei.
A tarde em que, com o meu pai, ao fim de vinte minutos
trocámos, a exibição de A Insustentável Leveza do Ser, filme
de Philip Kaufman sacado do livro de Milan Kundera, a tal Primavera de Praga, por
umas garrafas de tinto e rodelas de ananás, em Alcântara, no Cuidado
com o Degrau, que já não existe.
As gentes da zona, habitantes comerciantes, estão indignadas
com a tal loja de chineses.
Por uma destas noites, eram mais de cinquenta, juntaram-se
na Pastelaria
Mexicana para curtirem a, tardia, dor e pensarem se haveria uma
qualquer volta a dar, qualquer coisa como uma sala polivalente, aberta ao
cinema, ao teatro, à música e a actividades para crianças, e de um café com espaço para
tertúlias.
Mas… e o dinheiro?
Pois é!
Com uma pragmática melancolia, regressaram a penates.
Uma história velha.
OLHAR AS CAPAS
Alta Fidelidade
Nick Hornby
Tradução: Maria
Augusta Júdice
Capa: Fernando Mateus
Editorial Teorema
Lisboa Maio de 1997
Ela não sorri, não
me oferece uma chávena de café nem me pergunta se consegui encontrar a casa
apesar da chuva gelada que apanhei pelo caminho e me impedia de ver um palmo à
frente do nariz. Limita-se a conduzir-me até um gabinete que dá para o átrio,
acende a luz e aponta para os singles na prateleira de cima – há centenas deles,
todos em caixas de madeira feitas por medida – e deixa-me ficar a vê-los.
Não há caixas mas
prateleiras ao longo das paredes, apenas álbuns, CDs, cassetes e equipamento de
alta fidelidade; as cassetes têm pequenas etiquetas numeradas, o que indica
sempre que se trata de uma pessoa séria. Há algumas guitarras encostadas às
paredes, e uma espécie de computador com ar de conseguir produzir alguma música
se se estiver para aí virado.
Subo para cima de
uma cadeira e começo a tirar cá para baixo as caixas dos singles. São sete ou
oito ao todo, e, embora eu tente não ver o que têm dentro quando as ponho no chão,
dou uma olhadela ao primeiro da última caixa: é um single do James Brown na
King, com trinta anos, e começo a ficar em pulgas.
Quando começo a
vê-los decentemente, percebo logo que é tudo o que sempre sonhei adquirir desde
que comecei a coleccionar discos. Há singles do clube de fãs dos Beatles, e a
primeira meia dúzia de singles dos Who, e originais do Elvis do início dos anos
60, e montes de singles raros de blues e de soul, e… há um exemplar de “Go Save
The Queen” pelos Sex Pistols na A&M! Nunca tinha visto isto! Nunca vi
ninguém que tenha visto isto! E oh não, oh, não, céus – “You Left The Water
Runnibg” do Otis Redding, editado sete anos depois da sua morte, mandado retirar
imediatamente pela viúva por não…
- Que tal? – ela está
encostada à aduela da porta, de braços cruzados, a olhar meio meio a sorrir
para a cara que eu devo estar a fazer.
domingo, 16 de fevereiro de 2014
PORQUE HOJE É DOMINGO
... e eu gosto de dançar, gosto de tangos e gosto da fabulosa interpretação de Al Pacino em Perfume de Mulher e que lhe valeu um Óscar.
Bom domingo!
OS SANTOS SÃO MAIS FELIZES
Bati com o pé no
deserto
e não nasceu uma fonte…
e não nasceu uma fonte…
Toquei numa rocha
e não se cobriu de açucenas…
Beijei uma árvore
e o enforcado não ressuscitou…
Amaldiçoei a paisagem
e não secaram as raízes…
Digam-me lá: para que diabo serve ser poeta?
(Os santos são mais felizes.)
sábado, 15 de fevereiro de 2014
LUIZ PACHECO, EDITOR
E ficas já a saber, meu bom Silveira, que sendo ele Luís de nome próprio como tu, este Pacheco de quem se torna inevitável que dele fale nesta narrativa teve uma vida de sete e mais fôlegos, padeceu o que nem ao diabo lembra, mas fez a sua travessia na coerência e justa pretensão de publicar alguns bons livros que fez chegar às mãos de muita gente através de um ficheiro bem organizado e em trabalho artesanal de largos anos. Editou os livros que mais lhe agradaram, alguns assinalaram mesmo a estreia literária dos seus autores (Herberto Helder, Manuel de Lima, António Tavares Manaças ou carlos Wallenstein), e devo dizer-te que foi ainda companheiro e amigo de poetas e pintores ligados ao surrealismo português.
Serafim Ferreira em Olhar de Editor, Editorial Escritor, Lisboa Outubro de 1999.
Serafim Ferreira em Olhar de Editor, Editorial Escritor, Lisboa Outubro de 1999.
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Virgílio Martinho
OLHAR AS CAPAS
Relógio de Cuco
Virgílio Martinho
Contraponto, Setúbal Janeiro de 1997
Eu amava o velho
pai como quem ama uma coisa inventada, sem palavras nem carinhos. Via-o enorme,
as pernas sempre a fugirem de mim, o corpo magro ligeiramente curvado e lá em
cima as fossas do seu nariz. E era esta e não outra a minha invenção de pai.
Via-o e era o mesmo que sentir-me duas vezes, como sombra na parede ou imagem
no espelho. Porque ele tinha um ar severo e grave, raramente me falava, nunca
me beijava, só uma vez me atirou com a mona às pernas. Como um pai que não há.
Trabalhava à noite na estação de Setúbal e dormia de dia na nossa casa dos
Quatro Caminhos, havia entre nós horários diferentes. Ele via a noite e a lua,
eu o dia e o sol, éramos ambos duas paralelas, uma maior outra mais pequena.
Encontrávamo-nos porém ao jantar mas o nosso infindável silêncio continuava a
ser o nosso silêncio, embora a mãe dos dentes brancos falasse e risse entre
nós.
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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?
A questão é esta: entendemos sempre que os dias disto e daquilo são apenas um negócio falho de qualquer sentido. Porque os dias de, seja lá do que forem, devem ser sempre os de todos os dias.
Mas acabamos sempre por ceder. Já temos tão poucas coisas que nos dêem alegrias....
Hoje é Dia de São Valentim, Dia de Namorados.
Sabe bem receber uma flor, passar a tarde a rever - quantas são? - O Grande Amor da Minha Vida, beber chá de Carqueja porque faz bem às articulações. Coisas da idade...
E a chuva a bater lá fora.
Bom dia de São Valentim para todos.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
NOTÍCIAS DO CIRCO
Decididamente, a presidente da Assembleia da República não
acerta uma.
Soube-se que os deputados manifestaram natural incómodo por Assunção
Esteves ter colocado na reunião de líderes parlamentares a hipótese de recorrer
ao mecenato para suportar os custos financeiros de algumas iniciativas para
assinalar o próximo 25 de Abril.
Uma delas seria uma exposição
de chaimites junto à Assembleia da República, ornamentadas com cravos
criados pela artista plástica Joana Vasconcelos
De repente ficamos sujeitos a que o Continente, o Pingo Doce, a Mota-Engil, a tropa do
costume, aproveite a brilhante ideia da senhora presidente para publicidade de oh!
faz favor!!!!
Porque o permitimos, acontece-nos tudo!
PARA RAMONA
Ramona
Chega mais perto
Fecha suavemente os teus olhos molhados
Os tormentos da tua tristeza
Desvanecer-se-ão à medida que os teus sentidos despertarem
As flores da cidade
Apesar de parecerem vivas
Ficam como mortas às vezes
E não vale a pena tentar
Tratar do que está a morrer
Embora eu não saiba explicar isto por escrito
Os teus lábios camponeses gretados
Ainda desejo beijar
Assim como estar sob a firmeza da tua pele
Os teus movimentos magnéticos
Ainda capturam os minutos que vivo
Mas desola o meu coração, amor
Ver-te tentar fazer parte de
Um mundo que simplesmente não existe
Tudo é apenas um sonho, pequena
Um vácuo, um ardil, pequena
Que te arrasta a sentir assim dessa maneira
Vejo que a tua mente
Foi deturpada e alimentada
Por desprezível espuma de raiva
Percebo que estás dividida
Entre ficar ou
Regressar ao Sul
Que o objectivo final está ao alcance da mão
No entanto não há ninguém que te vença
Ninguém que te derrote
Excepto os pensamentos de ti própria sentindo-te mal.
Ouvi-te dizer muitas vezes
Que és melhor que ninguém
E que ninguém é melhor do que tu
Se realmente acreditas nisso
Sabes que não tens
Nada a ganhar e nada a perder
A tua dor provém
De coisas e influências e amigos
Que te sobrevalorizaram e moldam
Fazendo-te sentir
Que deves ser exactamente como eles
Falaria contigo para sempre
Mas cedo as minhas palavras
Se transformariam num som sem sentido
Pois no fundo do meu coração
Sei que não há ajuda que possa trazer
Tudo passa
Tudo muda
Faz apenas o que pensas que deves fazer
E um dia talvez
Quem sabe, pequena
Eu venha e esteja a chamar por ti
Bob Dylan
Canção do
álbum Another Side of Bob Dylan (1964)
Bob Dylan em Canções Volume I (1962-1973)
Relógio D’Água, Lisboa Setembro de 2006
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