Os Anos Decisivos
Portugal 1962-1985
Um Testemunho
César Oliveira
Editorial Presença,
Lisboa 1993
Em Cuimba
pernoitámos após termos percorrido a escassa centena de quilómetros desde S.
Salvador.
Procurei aí o tal
capitão Ernesto Melo Antunes de quem, no calor de Luanda, o Assis Pacheco me
falara.
Relativamente baixo
e entroncado, óculos, sempre a fumar furiosamente cigarros de tabaco negro,
recebeu-me com uma relativa desconfiança, até lhe começar dar algumas referências
de que não podiam resultar equívocos ou incertezas. Abriu-se, então, num
sorriso que simultaneamente envolvia os olhos e a boca, deixando apenas
entrever os dentes, um sorriso «curto» e ao mesmo tempo franco e confiante, e
na medida em que a nossa conversa progredia, manteve ainda esse sorriso. Para
um canto do quarto (ou do gabinete?) que resguardava livros, e entregou-me para
ler Les Damnés de la Terre de Frans Fanon
– a «quase» Bíblia do anticolonialismo militante.
Lembro-me que lhe
carpi mágoas, lhe falei de deserções que tinham ocorrido há pouco tempo, mesmo ao lado do sector do nosso batalhão, no
Luvo, com oficiais milicianos, um dos quais oriundo de Cabo Verde. Respondeu-me
– naquele fim do mês de maio de 1964 – que o lugar dos antifascistas era nas
Forças Armadas, que todas as possíveis mudanças políticas só poderiam vir dos
militares que era necessário articular a sociedade civil com a militar em termos
da ruptura com o regime e da construção da democracia. Olhei e ouvi, meio
embasbacado, tanto me pareciam utópicas as palavras e os sonhos daquele capitão,
o mais civil dos muitos militares que conheci.
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