Uma formidável
moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do lenço cruzado,
ainda suada e esbraseada do calor da lareira, entrou esmagando o soalho, com
uma terrina a fumegar. E o Melchior, que seguia erguendo a infusa do vinho,
esperava que Suas Incelências lhe perdoassem porque faltara tempo para o
caldinho apurar... Jacinto ocupou a sede ancestral- e durante momentos ( de
esgazeada ansiedade para o caseiro excelente) esfregou energicamente, com a
ponta da toalha, o garfo negro, a fusca colher de estanho. Depois, desconfiado,
provou o caldo, que era de galinha e rescendia. Provou- e levantou para mim,
seu camarada de misérias, uns olhos que brilharam, surpreendidos. Tornou a sorver
uma colherada mais cheia, mais considerada. E sorriu, com espanto: - Está bom!
Estava preciso:
tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia: três vezes,
fervorosamente, ataquei aquele caldo
- Também lá volto! –
exclamava Jacinto com uma convicção imensa. ~É que estou com uma fome… Santo
Deus! Há anos que não sinto esta fome.
Foi ele que rapou
avaramente a sopeira. E já espreitava a porta, esperando a portadora dos
pitéus, a rija moça de peitos trementes, que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando
o sobrado – e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com
favas. Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominava favas!... Tentou
todavia uma garfada tímida – e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo
enevoara, luziram procura os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma
lentidão de frade que se regala. Depois um brado:
-Óptimo!... Ah, destas favas, sim! Ó que fava! Que delícia!
-Óptimo!... Ah, destas favas, sim! Ó que fava! Que delícia!
E por esta santa
gula louvava a serra, a arte perfeita das mulheres palreiras que em baixo
remexiam as panelas, o Melchior que presidia ao bródio…
- deste arroz com
fava nem em Paris, Melchior amigo!
Eça de Queiroz em A Cidade e as Serras, Círculo de
Leitores, Lisboa Setembro de 1984
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