Ninguém tem salário. Tudo quanto tenho, porque comecei a trabalhar muito cedo – antes de ir para África, trabalhava numa grande casa de material cirúrgico, e como era o mais puto enfiaram-me como estabelecimentos a Cadeia Penitenciária de Lisboa, os Hospitais Psiquiátricos, Júlio de Matos e Miguel Bombarda e a Ortopedia de São José... –, mercê dos pagamentos à segurança social hoje usufruo de uma pensão de 250 euros. A casa onde vivo é minha, sou apoiado, como sempre fui desde miúdo. E é por causa destas circunstâncias materiais que o etc se pode dar ao luxo de ser um luxo. De poder continuar a funcionar completamente à margem da engrenagem das indústrias e comércios editoriais. O etc não ptecisa de “marketing”, porque quem faz 300 livros não precisa de “marketing”.
Ao profissionais propriamente ditos, pago sim senhor, pago religiosamente a tipografia, não tenho uma dívida à praça,. Não devo um tostão ao banco. O meu banco é a tipografia Minerva. Porque se eu disser: “Ó senhor Gomes, faça-me mil livros”, ele faz. Ou: “São cinco livros”, e ele faz. Porque sabe de ciência certa e cega que o senhor Vítor jamais deixaria de pagar um cêntimo àquela casa. Portanto esse trabalho é pago, claro.
Ao fim e ao cabo os autores que para aqui mandam os seus originais, também os mandam porque sabem que seria um horror se graças ao trabalho artístico ou intelectual estivesse eu com o meu popó. Eles sabem de ciência certa que não é isso. O projecto do etc não passou desde o início por irmos fazer lucro. E sempre foi dito que no caso de termos algum lucrozito era para meter num novo livrito, e assim sempre.
Porque se publico pela primeira vez um autor
que não é nome conhecido já sei que dificilmente a gente vai vender 200 livros.
E se vendermos 200 é porque já aqui estamos há tantos anos que de qualquer modo
já houve um pequeno público habituado, ou porque gosta do livrinho, ou de os
ter todos, ou porque as capas são muito bonitas, ou porque acham que a casa tem
algum rigor. Mas algumas vezes, muitas vezes, esses livritos não chegam para
pagar à tipografia. Os autores em geral não gostam de saber destas coisas, nem
eu vou dizer a um autor: “Oiça lá, foi um buraco de todo o tamanho.” Deu
prejuízo? Já sei que vai dar. Mesmo assim faço. Por coerência. Estou dentro de
uma engrenagem que tudo faz para abafar, para fazer desaparecer de vez aventuras
desta natureza. Enquanto puder hei-de resistir. Como? Desta maneira. Do ponto
de vista pessoal sou um indivíduo baratíssimo desde miúdo. Sei comprar a minha
comida, sei fazê-la.
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