Autobiografia Não Autorizada
Dulce Maria Cardoso
Capa: V. Tavares
Edições Tinta-da-China, Lisboa Junho de 2021
Quando nasci, a minha mãe já se moldara à mulher que cabia no nosso quotidiano. Se os ares de África não a trouxessem sempre doente, se engordasse uns bons quilos, quase nada a distinguiria das vizinhas. Mas a outra mulher, a que fugiu, continuava escondida nela, de certeza. Uma mulher como as dos filmes que eu via no cinema, nas tardes de domingo, uma mulher capaz de pegar numa arma para defender dos malfeitores a sua casa, de dançar em cima de uma mesa da taberna, de cavalgar desabrida por desfiladeiros, de percorrer sem pestanejar o salão de baile do palácio sob o olhar de todos. Ou de fugir de casa dos pais para viver com o homem que amava. Essa mulher também foi minha mãe, também é minha mãe. Também ela me criou. Nunca deixei de procurar na minha mãe do dia adia. E sempre a fui encontrando. Encontros fugazes. Mudos. Sorrimos uma para a outra e tenho a sensação de que ela me pisca o olho.
Colaboração de Aida
Santos
2 comentários:
Não resisto:
- que bonito texto!
Também gosto muito de ler a Dulce Maria Cardoso.
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