Este livro tem o subtítulo: «Os Filhos Que Os Militares Portugueses Deixaram Na Guerra Colonial».
A imagem é a reprodução da contra capa do livro.
O livro é da autoria
de Catarina Gomes, ex-jornalista do Público.
«Tudo começou com uma viagem à Guiné,
em 2013, com o objetivo de revelar, no Público, estas histórias da História que
ficam por contar. Seguiram-se quatro anos em que os contactos com estes filhos
e filhas, de identidade truncada, se foram multiplicando. A maioria tem como
única herança dos pais uma vida inteira de discriminação: eram “filhos de
tuga”; eram filhos do “inimigo”. Pelo meio, também há (re)encontros felizes.
Catarina Gomes escreve que “todos os dias morrem metades desta história” – os
pais portugueses estão na fase final das suas vidas (os filhos têm entre 40 e
50 anos). As relações entre militares portugueses e mulheres africanas são,
muitas vezes, romantizadas – todos os filhos gostam de se imaginar fruto de um
grande amor. Contudo, estas crianças também foram fruto de casos de prostituição,
de agressões sexuais ou de violações. Catarina Gomes chama-lhe um livro de
pós-reportagem, no qual conta o que aconteceu, depois da publicação das
histórias no jornal, e se assume como participante no enredo, em busca destes
pais desaparecidos. Sem alarido, numa comoção sublime.»
Fernando Hedgar da
Silva depositava grandes esperanças no encontro com um ex-militar português,
que tinha optado por permanecer na Guiné após o fim da Guerra Colonial
(1961-1975). Quando o homem lhe perguntou como se chamava o pai, Fernando
respondeu o único nome que a mãe, timidamente, lhe havia dito: “Furriel. O meu
pai chama-se Furriel.” O ex-militar ficou incrédulo e explicou-lhe que Furriel
não era um nome; antes uma patente. Afinal, Fernando sabia menos de nada sobre
o seu pai. E era esse vazio que o preenchia quase por inteiro.
António Gedeão é
autor de Poema da Malta das Naus, um lindíssimo poema que deu uma muito bonita
canção de Manuel Freire:
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das prais
arreneguei, roguei pragas,
mordi pelouros e zagaias.
Chamusquei o pelo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
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