quinta-feira, 10 de março de 2022

A POESIA VAI ACABAR


Já vos disse que um dos livros cuja leitura, no passado ano,  mais me encantou, foi  De Maneira Que É Claro…      de Mário de Carvalho.

Outro livro de encantamento de que não consigo separar-me é Para Quê Tudo Isto?,  biografia de Manuel António Pina escrita por Álvaro Magalhães.

Comprei-o na época natalícia mas só nos alvores deste ano o comecei a ler.

São 479 páginas, é certo, começadas a ler em 2 de Fevereiro, mas não é pela quantidade de páginas que ainda não o acabei. Nem quero acabar, e quando isso acontecer, sei que irei sentir um enorme baque que me vai deixar fortes sequelas.

Não é pelo livro estar bem escrito que a demora tem acontecido. É, essencialmente, por passar a conhecer pormenores de vida que desconhecia e engrandecem, mais ainda, um poeta, um jornalista, um homem que sempre me fascinou.

Como Seve, viajante deste blogue, escrevia, há dias, na caixa de comentários: «Nunca vi o Manuel António Pina (só o li) mas foi uma pessoa de quem sempre gostei muito, um ser humano que sempre me fascinou, uma boa pessoa, daquelas que tornam o mundo belo e melhor.»

Na página 54 é transcrito um passo de uma entrevista de Pina ao Público:

«Eu sempre tive uma vida mais ou menos pacata, uma vida com sobressaltos normais, e as grandes emoções da minha vida, os grandes momentos, os mais fortes, em termos afectivos, em termos psicológicos, foram através dos livros.»

Na página 202 aparece o poema «A Poesia vai acabar».

Não tenho todos os seus livros de poesia, para compensar algum atraso, tratei de comprar a Poesia Reunida, que não contempla este poema.

É este o poema:

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? 

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