Tal como vos referi
na última crónica, Chaplin faleceu no dia de Natal de 1977, aos 88 anos. Não terá
sofrido muito porque teve um derrame cerebral durante o sono.
Dois dias depois,
numa pequena cerimónia quase privada, foi sepultado no cemitério de
Corsier-sur-Vevey, a muito curta distância da casa onde viveu durante 24 anos.
Mas o pior ainda
estaria para vir…
Na madrugada do dia 1
de Março de 1978, o caixão e o corpo foram roubados do cemitério e, poucas
horas depois, um pedido de resgate foi apresentado, por via telefónica, à
mulher de Chaplin, Oona.
Oona afirmou que
nunca teve intenção de pagar o que quer que fosse pelo corpo do marido mas, a
conselho da Polícia e para ganhar tempo, prolongou a conversa entrando em
negociações quanto ao montante a pagar. Quem assumia os contactos era o mordomo
da casa, já que ela se recusara a falar com os ladrões.
Tanto a divisa em que
o pagamento deveria ser feito como o montante foram variando no decurso das
negociações. Primeiro eram francos franceses, depois libras esterlinas e,
finalmente, dólares. E começou com 600.000 e acabou em 100.000 dólares.
Entretanto, na
Comunicação Social muitos foram os motivos evocados para este roubo, como verão
mais à frente.
Durante os mais de
dois meses em que decorreram estas negociações, o processo de contacto era
sempre o mesmo: uma chamada feita de uma cabine telefónica da região. Mas este
lapso de tempo permitiu à Polícia identificar e monitorizar mais de 200 cabines
telefónicas em toda a região de Lausanne e, quando se consideraram preparados,
avisaram a Família para que dessem o acordo final para o pagamento do resgate,
os tais 100.000 dólares que atrás vos referi.
Foi combinado com os
larápios que o mordomo se faria transportar no Rolls Royce da casa e deixaria
uma mala com o dinheiro num local previamente acordado.
E assim foi, só que
em vez do mordomo quem conduziu o carro foi um polícia disfarçado.
Tudo muito bem
organizado, só que ninguém contava que um carteiro local se apercebesse que o
carro da Família Chaplin, sempre guiado pelo mordomo, estava a ser conduzido
por um perfeito desconhecido e o resolvesse seguir de bicicleta, não fosse
estar em curso mais um roubo envolvendo a pobre Família.
Imaginem bem a cena
de um carteiro a dar ao pedal atrás de um Rolls Royce, qual François do “Há
Festa na Aldeia” a fazer a “distribuição à americana”…!
É claro que esta
perseguição do carteiro levantou suspeitas por parte da Polícia, que
julgou tratar-se de um membro do “gang” de ladrões e o prendeu de imediato,
abortando a operação da entrega da mala. A Polícia local teria reconhecido de
imediato o carteiro mas, por essa altura, o caso já estava entregue à Polícia
Nacional, em artriculação com a Interpol, as quais, naturalmente, não conheciam
o pobre candidato a herói de lado nenhum…
Apesar de tudo, este
facto não levantou qualquer suspeita aos ladrões, que trataram de marcar novo
dia e hora para a entrega do dinheiro. Seria o dia 17 de Maio, às 9h30. Desta
vez, como não poderia deixar de ser perante tanto amadorismo, a Polícia já
havia identificado o local da chamada telefónica e os maus da fita foram
apanhados em flagrante.
Dois pobres
emigrantes, um polaco de 24 anos e outro búlgaro de 38, mecânicos de automóvel
no desemprego, que viram ali a oportunidade de fazerem algum dinheirinho e
orientarem as suas vidas.
Certeiro como sempre,
num dos últimos livros que escreveu José-Augusto França conta a história de
seguinte forma:
“… a imaginação
chapliniana post mortem reassume toda a crueldade lógica de Monsieur Verdoux e
realiza ainda um derradeiro e portentoso gag.
Não três dias
(enfim…) mas três meses após a sua sepultura, o corpo de Charles Chaplin foi
roubado, no que é uma forma simbólica de ressureição.
Duraram dezassete
dias as buscas da polícia suíça e da Interpol, chamadas aflitamente em reforço,
para encontrar os desaparecidos despojos. Hipóteses (que poderiam dar rushes de
Monsieur Verdoux) foram avançadas pela imprensa, rádios e televisões ávidas de
sensacional. Os raptores teriam sido um grupo neonazi a querer vingar a memória
de Hitler-Hynkel. Ou de antissemitas que protestavam contra a sepultura de um
judeu num cemitério cristão, ou de terroristas de qualquer outra referêncxia
ideológica , para obterem uma forte indemnização contra a entrega do corpo; ou
mesmo algum admirador fanático que desejasse conservar secretamente os restos
do ídolo… Mas telefonemas insistentes dos raptores que desleixaram precauções
profissionais permitiram a sua localização – tudo se resolvendo com a
recuperação do cadáver e apreensão dos bandidos. Que bandidos afinal não eram ,
mas dois emigrantes balcânicos que planearam um golpe que lhes permitiria
montar uma garagem, como confessaram à polícia… Pobres diabos, de desastrosa
incompetência, perdidos num sonho de êxito social, pobres charlots da sociedade
de consumo que lhe dera ideias de sucesso e fortuna…” (1).
Mas a charada não foi
de tão fácil resolução como José-Augusto França dá a entender …. É que os
pobres ladrões nem conseguiram fixar bem o local onde enterraram o
caixão. Disseram que era um campo de trigo mas quando chegaram à zona a
passagem do tempo tinha provocado o crescimento de plantas diversas, pelo que
tudo estava, para eles, irreconhecível… Tiveram de escavar de fio a pavio os
terrenos de um pobre agricultor local que, para tirar algum proveito da coisa,
lá espetou um grande letreiro a dizer “CHAPLIN REPOUSOU AQUI. BREVEMENTE…”! Não
receberia dinheiro pela visita, mas impingiria produtos da terra a quem se
aproximasse para bater uma fotografia, o que não deixa de ser um esquema
manifestamente chaplinesco…!
Apesar de Oona
Chaplin lhes ter perdoado e ter apelado para que não sofressem pena pesada,
foram ambos condenados a trabalho comunitário, o polaco, por ser o cabecilha,
durante quatro anos, e o búlgaro, que sofria de perturbações mentais, a dezoito
meses.
Tudo isto é uma
história em tons de comédia negra, e foi nesse preciso registo que o francês
Xavier Beauvois lhe dedicou um filme em 2014, “Le Rançon de la Gloire”, que
teve direito a estreia em Portugal com o título de “O Preço da Fama”.
O caixão com o corpo
de Chaplin voltou à sua morada inicial, desta vez devidamente selado e tapado
com uma camada de cimento que tornaria impossível qualquer nova tentativa de
roubo.
Oona morreria treze
anos depois, em 27 de Setembro de 1991, e o seu corpo seria colocado mesmo ao
lado do marido, como fora seu desejo.
E foi lá, naquele
pequeno e simpático cemitério com vista para o lago, que os fui visitar numa solarenga
manhã de finais de Dezembro. Tinha pensado levar comigo umas flores para lhes
deixar, mas nada encontrei à venda nas imediações e já não ia a tempo de ir
procurar mais longe.
Ter-me-ia dado jeito ter ali à mão a ceguinha das “Luzes da Cidade” que vendia flores e que ofereceu uma flor ao vagabundo que espreitava pela janela, pouco antes de se aperceber, por um simples toque na mão, que teria sido ele o responsável pelo pagamento da sua cura, e não um homem rico , como até então pensara, naquele que é, garanto-vos a pés juntos, um dos mais belos finais da história do Cinema…
- José-Augusto França, “O Essencial Sobre Charles Chaplin”, Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2015), págs. 102/103
PS:
O título deste texto
não é de minha autoria, antes foi surripiado a José Augusto França (vd 1, pág.
101)
Para além do filme de
Xavier Beauvois, não disponho de muito mais fontes de informação detalhadas
acerca dos fatos aqui relatados, pelo que parte deles foram retiradas da Net.
Texto e fotografias de Luís Miguel Mira
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