quarta-feira, 23 de março de 2022

AS LÁGRIMAS DO JORGE


Em alguns filmes, Jorge Silva Melo chorava que nem uma Madalena.

Deixou escrito que no 2º Balcão do S. Luiz chorou com Chá e Simpatia de Minelli.

Ao ver, ao rever, vezes sem conta, O Vale Era Verde de John Ford, chorava.

Acabava de ver os filmes e um mundo de lágrimas envolvia-lhe os sentidos.

«Mas vê-se sempre O Vale era Verde, de maneira diferente porque de todas as vezes se chora de maneira diferente. Já ao ver este filme, chorei infâncias perdidas, quando mais para aí me dá o sentimento; ou a morte dos pais; ou a miséria da mina, ventre infernal do capitalismo; ou a honra dos trabalhadores; ou a coragem das mães; ou as refeições em silêncio; ou o casamento da irmã; ou as longas doenças da infância com os primeiros romances lidos na cama; ou  a chegada da Primavera, ou o cheiro a sabão azul e branco, o acreditar que “um homem não chora”, o acreditar no silêncio dos homens e na determinação das mulheres, na honra, no valor do trabalho, no fluir inexorável da vida, na impossibilidade do regresso, na consciência da luta. E também nos aventais brancos, nas grandes almofadas, no banho na celha, na água a ferver...»

Sobre O Vale Era Verde escreveu João Bénard da Costa:

«Não há filme que me faça mais saudades.»

 Augusto M. Seabra, no texto sobre a morte de Jorge Silva Melo, publicado no Público, deixa nas entrelinhas que os jornais deixaram de lhe publicar as crónicas porque invariavelmente estavam envolvidas em tons de lamúria.

 Sabemos como cegos e ingratos é essa malta dos jornais que preferem cronistas que não dizem nada, que nem escrever sabem.

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