quinta-feira, 15 de agosto de 2024

LEGADO

Que lembrança darei ao país que me deu 

tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? 

Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu 

minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

 

E mereço esperar mais do que os outros, eu? 

Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. 

Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, 

a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

 

Não deixarei de mim nenhum canto radioso, 

uma voz matinal palpitando na bruma 

e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

 

De tudo quanto foi meu passo caprichoso 

na vida, restará, pois o resto se esfuma, 

uma pedra que havia em meio do caminho.

Carlos Drummond de Andrade de Claro Enigma em Antologia Poética

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