Sabia que o Zé Gomes Ferreira escrevera algo sobre o Stuart Carvalhais mas não lembrava onde. O ficheiro ideológico da Biblioteca da Casa já conheceu melhores dias.
De repente,
tão só de repente, acabei por encontrar o texto do Poeta. Está na página 189 de
Gaveta de Nuvens. Nas nuvens estava eu quando falhei a referência que seria
para aparecer no Outro Lado das Capas. As desculpas devidas aos viajantes
do Cais do Olhar e aqui fica a citação:
»Sim, eu vi eu assisti não só ao advento
dos modernistas com novas técnicas e novos olhos - «exijo apenas que os
pintores tenham olhos diferentes dos meus», já escrevi não sei onde -, mas
também aos desvios dos temas cediços das feiras, dos borrachos, das romarias,
das procissões, dos barbeiros ao ar livre, das cabeças de mendigos, etc., para
a sensualidade íntima de Lisboa por dentro.
O primeiro lugar da minha cronologia de
experiências pessoais pertence ao Stuart – que conheci em 1917 no rescaldo
dramático da 1ª Guerra Imperialista – sempre com o tinteirinho de tinta da
China na algibeira para o desse e viesse. (Quanto ao papel, qualquer servia. «O
das mercearias para embrulhar manteiga, é estupendo”» - ouvi-o eu dizer certo
dia…)
De Redacção em Redacção, de taberna em
taberna, mal lhe encomendavam um boneco qualquer, rapava do tinteirinho e da
pena e, como uma espécie de Bocage do desenho, logo ali improvisava o que lhe pediam,
em geral uma anedota de rua com varinas ou costureiras de pernas à mostra.
Mais preocupado com as pessoas, as
«pedras vivas» - expressão anos depois vulgarizada por António Sérgio – do que
com os meandros de caliça e basalto de Lisboa – lembro-me de que, na obra desse
tempo do grande artista popular, se destacavam sobretudo as «bichas» (do
açúcar, do pão, do petróleo) em que o Stuart de Carvalhais punha todo o génio
satírico babado de ternura militante que sentia pelas mulheres do povo,
resignadas e famintas, à espera da ração minguada daqueles tristes dias de
guerra vil.»
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