terça-feira, 27 de agosto de 2024

O OUTRO LADO DAS CAPAS


Estas «Entrevistas Corsárias» sobre a política e sobre a vida, estão datadas, mas retém a importância do papel de Pasolini em tudo o que disse, tudo o que escreveu, nos filmes que realizou.

Em Junho de 1970, perguntam-lhe:

Qual é a sua definição do amor?

- Quando falta o amor, as pessoas cessam de viver. Focam reduzidas a nada. É melancolia, o fim de tudo. A sociedade apercebeu-se disso e aqui está a razão de tanto tentar exaltar o amor. É uma chave de produtividade. Sem amor, o homem não consegue produzir. Porém, ao mesmo tempo, todos os tipos de sociedade reprimem o mundo sexual, pois a energia que o homem consome ao fazer amor não beneficia o capital. Todas as sociedades são, acima de tudo, puritanas. Não se pense que vivemos num período de plena liberdade sexual, é uma ilusão.

Outra pergunta:

Ama a vida?

- Amo-a ferozmente, desesperadamente. E acredito que esta ferocidade e este desespero me acompanharão até ao fim. Amo o Sol, a relva, a juventude. Para mim, o amor pela vida tornou-se num vício mais mortífero do que a cocaína. Eu devoro a minha existência, com um apetite insaciável. Como acabará tudo isto? Não sei.

Pasolini respondeu não saber como tudo terminaria.

Foi barbaramente assassinado, a 2 de Novembro de 1975, tinha 53 anos, em circunstâncias que ninguém procurou esclarecer.

Lembre-se o poema que Eugénio de Andrade, nessa morte, lhe dedicou:

 

REQUIEM PARA PIER PAOLO PASOLINI

 

 Eu pouco sei de ti mas este crime

torna a morte ainda mais insuportável.

Era novembro, devia fazer frio, mas tu

já nem o ar sentias, o próprio sexo

que sempre fora fonte agora apunhalado.

Um poeta, mesmo solar como tu, na terra

é pouca coisa: uma navalha, o rumor

de abril podem matá-lo – amanhece,

os primeiros autocarros já passaram,

as fábricas abrem os portões, os jornais

anunciam greves, repressão, dois mortos na primeira

página, o sangue apodrece o brilhará

ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.

O assassino, esse seguirá dia após dia

a insultar o amargo coração da vida;

no tribunal insinuará que respondera apenas

a uma agressão (moral) com outra agressão,

como se alguém ignorasse, excepto claro

os meretíssimos juízes, que as putas desta espécie

confundem moral com o próprio cu.

O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores

como móbil de um crime que os fascistas,

e não só os de Salò, não se importariam de assinar.

Seja qual for a razão, e muitas há,

que o Capital a Igreja e a Polícia

de mãos dadas estão sempre prontos a justificar,

Pier Paolo Pasolini está morto.

A farsa, a nojenta farsa, essa continua.

 

Eugénio de Andrade em Escrita da Terra e Outros Epitáfios

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