sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
POSTAIS SEM SELO
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
VELHOS DISCOS
Entrar portas dentro da Grande Feira do Disco e arrancar
para o escaparate onde estavam os vinis das grandes orquestras.
Muitos dos discos que lá moravam nem sequer conhecia os
nomes.
É ocaso deste e, com
toda a certeza, foi comprado por causa de Delilah, Spanish Eeys, The More I See You,
Night and Day.
Ouvido o disco vir a saber que havia outras canções de encanto: que Wuderbar ist die Welt , posto em miúdos quer dizer oh! que mundo maravilhoso, que Der letzie Walser se transforma na última valsa
Ouvido o disco vir a saber que havia outras canções de encanto: que Wuderbar ist die Welt , posto em miúdos quer dizer oh! que mundo maravilhoso, que Der letzie Walser se transforma na última valsa
Trabalhava todo o dia de sábado, e estes eram os discos de
domingo que, muitas vezes metia chá e bolos secos.
CONCENTRAÇÃO EDITORIAL
Em artigo de opinião, publicado na Notícias Magazine de 25 de Maio 2008, Manuel Alberto Valente mostrava o seu entendimento sobre o fenómeno da concentração editorial..
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SARAMAGUEANDO
Ontem ficou a saber-se
que será a Porto Editora irá
editar a obra de José Saramago, e que o romance inédito de José Saramago Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas
será já editado pela Porto Editora.
A Porto Editora, a exemplo da Leya, é um dos grupos que, nos
últimos anos, t~em vindo a adquirir outras editoras.
Existe, porém, uma
grande diferença.
A Porto Editora que, entre editoras,engloba
a Assírio &Alvim tem à
frente da parte editorial o escritor Manuel Alberto Valente que há muitos anos manuseia
livros, que lhes conhece as cores, os cheiros, o miolo, e que aos livros dedica
aquilo que mais os torna importantes e diferentes: o amor.
Manuel Alberto Valente,
ver post seguinte, reconhece, nos dias de hoje, a inevitabilidade da
concentração editorial, mas avisa que à frente desses novos pequenos impérios, deve
esta gente que não seja alheia ao mundo do livro.
Manuel Alberto Valente
está nesse número. Para além de não ter, por hobby, carros de corrida, sabe da
importância dos livros.
Um pão vale mais que
um livro?
Aí está uma
interminável discussão.
Outra editora que concorria
para a publicação das obras de José Saramago era a Relógio d’Água do escritor de Fernando Vale, que se tivesse
sido esta a escolha de quem teve de decidir, se saberia que os livros de José Saramago
estariam, também, em muito boas
Tanto Manuel AlbertoValente como Fernando Vale de modo algum desdenham aquele bonito sentir de
Manuel Hermínio Monteiro:
Legenda: fotografai da Cornerstone Books Shop
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POSTAIS SEM SELO
Que precisão tenho eu de ir ao encontro de quem ainda não se lembrou de
vir ter comigo?
Shakespeare
Shakespeare
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
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William Shakespeare
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
POSTAIS SEM SELO
Os jogos de sedução são iniciados quase sempre pelas mulheres, mas elas
preferem deixar que os homens acreditem que a iniciativa foi deles. Esta
atitude é também uma maneira de atrair a pessoa desejada. A mulher desencadeia
o processo de sedução em três de cada quatro casos quando olha e sorri.
Legenda: pintura de Joadoor
O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?
Bergman disse um
dia que as mulheres têm mais talento para representar do que os homens. A
afirmação, segundo ele, não tinha nada de moralista, antes cultural. A
representação é uma profissão especialmente feminina porque as mulheres olham
para a câmara (e para o espectador) com o mesmo fascínio e entrega com que
estão habituadas a olhar-se ao espelho.
Maria João Freitas
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
PETE SEEGER (1919-2014)
Aos 94 anos, num
hospital de Nova Iorque morreu Pete Seeger.
Uma tristeza sem fim
enrola-se por aqui e as palavras não saem, talvez por inúteis serem.
Partiu Pete Seeger
mas fica a fortíssima marca da sua presença neste mundo, em que trabalhou
imenso para manter viva a memória da riquíssima tradição da música popular norte-americana, bravamente lutou por um mundo
melhor esteve em todas as lutas de esquerda, fosse a luta pelos direitos civis
dos negros, fosse pela denúncia da poluição do Rio Hudson.
Woodie Guthrie tinha
escrito no seu banjo que «esta
máquina mata fascistas», no seu banjo Pete Seeger escreveu
«esta máquina cerca o ódio e
força-o a render-se».
Considero-me um
contador de histórias, por vezes um organizador. Não sou um bom
cantor. Não sou
particularmente bom a tocar banjo. Mas sou especialista em conseguir que uma
multidão cante comigo, e quando esta canta bem sinto-me feliz."
No dia dos seus 90
anos, a data foi celebrada com um grande no Madison Square Garden de Nova Iorque. Entre as dezenas de
músicos que estiveram presentes contaram-se Bruce Springsteen, Joan Baez, Eddie
Vedder, Arlo Guthrie, Ben Harper, Billy Bragg, Emmylou Harris, Ramblin' Jack
Elliott, Richie Havens, Roger McGuinn,
O cubano Sílvio
Rodrigues foi impedido de entrar nos Estados Unidos mas enviou a Seeger uma carta de saudação:
La Habana, 3 de mayo de 2009.
Admirado y querido Maestro Pete Seeger:
En estos momentos se está celebrando el concierto de homenaje que decenas de cantores justamente te ofrecen. Pasan por mi mente algunas de las veces que tuve el privilegio de disfrutar de tu talento seductor de multitudes. Así te recuerdo enLa Habana ,
cantando solidario junto al Grupo de Experimentación Sonora; así te recuerdo en
aquella gira dedicada a Víctor Jara, por varias ciudades de Italia; y así
también revivo aquella helada noche de febrero de 1980 en que respondiendo a tu
llamado viajamos desde Nueva York hasta Poughkeepsie y te escuchamos “Snow,
Snow”, obra maestra de quien se hizo preguntas ante un paisaje invernal.
Traté de volver a estar contigo hoy, pero, como bien sabes, no me dejaron llegar los que no quieren que los Estados Unidos y Cuba se junten, se canten, se hablen, se entiendan. Son los que piensan que el mundo se divide en poderosos y en débiles; los que sólo aprecian a los que son ricos y fuertes. Son los que no nos perdonan que aún siendo pequeños hayamos decidido vivir de pie. La realidad grita que cada vez deben ser menos estos brutos, pero de alguna forma esa minoría todavía impera y manda. Algunos de ellos vieron un peligro en que nos encontráramos y que un simple acto de fraternidad simbolizara a dos pueblos vecinos que pueden coincidir en canciones y afectos.
Pero no solo yo, querido Pete: todo mi digno y sin dudas mejorable país te admira, te respeta y celebra tus honorables nueve décadas defensoras de la justicia social, la paz y la cultura.
Aquí nadie te ve como un peligro sino como un extraordinario amigo que no nos dejan abrazar con la libertad que quisiéramos. Por eso, más que yo, toda esta Cuba que te quiere, bloqueada todavía por los abusadores, está a tu lado ahora cantando tu profética We Shall Overcome y nuestra martiana Guantanamera.
Un beso para Toshi y un fuerte abrazo para ti de
Admirado y querido Maestro Pete Seeger:
En estos momentos se está celebrando el concierto de homenaje que decenas de cantores justamente te ofrecen. Pasan por mi mente algunas de las veces que tuve el privilegio de disfrutar de tu talento seductor de multitudes. Así te recuerdo en
Traté de volver a estar contigo hoy, pero, como bien sabes, no me dejaron llegar los que no quieren que los Estados Unidos y Cuba se junten, se canten, se hablen, se entiendan. Son los que piensan que el mundo se divide en poderosos y en débiles; los que sólo aprecian a los que son ricos y fuertes. Son los que no nos perdonan que aún siendo pequeños hayamos decidido vivir de pie. La realidad grita que cada vez deben ser menos estos brutos, pero de alguna forma esa minoría todavía impera y manda. Algunos de ellos vieron un peligro en que nos encontráramos y que un simple acto de fraternidad simbolizara a dos pueblos vecinos que pueden coincidir en canciones y afectos.
Pero no solo yo, querido Pete: todo mi digno y sin dudas mejorable país te admira, te respeta y celebra tus honorables nueve décadas defensoras de la justicia social, la paz y la cultura.
Aquí nadie te ve como un peligro sino como un extraordinario amigo que no nos dejan abrazar con la libertad que quisiéramos. Por eso, más que yo, toda esta Cuba que te quiere, bloqueada todavía por los abusadores, está a tu lado ahora cantando tu profética We Shall Overcome y nuestra martiana Guantanamera.
Un beso para Toshi y un fuerte abrazo para ti de
Silvio Rodriguez
Escreve Ramón
Padilla em Canciones de Protesto del
Pueblo Norte Americano:
Por diversas vezes,
Pete Seeger foi sondado para vir cantar a Portugal, mais concretamente à Festa do Avante. Indisponibilidade
de datas não o permitiu.Mas em 2 de Dezembro de 1983 foi mesmo possível trazer
Pete Seeger a Lisboa.
Desse memorável
concerto foi feito registo sonoro que mais tarde seria publicado em disco. Uma
edição limitada de 3.000 exemplares numerados numa caixa que contém 1 LP, o
livro-programa do espectáculo, folheto com textos da gravação com tradução para
português das canções, as fotos do espectáculo.
Em Lisboa, ao
jornalista Viriato Teles disse espero
que vocês pensem que sou comunista.
A sua vida de luta está também registada nos testemunhos que prestou na Comissão de Actividades Anti-Americanas, o mccarthysmo, uma das muitas páginas negras da história da America:
Não responderei a nenhuma pergunta sobra as minhas actividades associativas, sobre os meus credos filosóficos ou religiosos, sobre as minhas convicções políticas ou, ainda, sobre como votei em qualquer das eleições.
Considero tais questões impróprias para serem postas a qualquer americano, particularmente sobre coerção, como acontece aqui. (…) Sei que, em toda a minha vida, jamais fiz o que quer que fosse de natureza conspiratória e sinto profundamente que, na intimidação para comparecer perante esta comissão esteja implícita a diferença existente entre as minhas opiniões e as vossas e que por isso me considerem menos americano que qualquer outro.
"Mas amo muito o meu país (...) Há vinte anos que, por toda a parte, canto canções populares da América e doutros países. A canção, cujo título foi especificamente citada neste julgamento, “Wasn’t That a Time”, é uma das que prefiro. Gostaria de ter a vossa autorização para a cantar aqui antes de terminar".
- Não pode, retorquiu seco o juiz Murphy.
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Pete Seeger
OLHAR AS CAPAS
Poesia I
José Gomes Ferreira
Prefácio: Alexandre Pinheiro Torres
Colecção Poeta de Hoje nº 5
Portugália Editora, Lisboa Maio de 1962
Viver sempre
também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
«Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.»
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
POSTAIS SEM SELO
Monterey possui uma qualidade imutável. Quase todos os dias, de manhã, o Sol brilha nas janelas do lado ocidental das rua; e, de tarde, brilha no lado oposto. Diariamente, o autocarro vermelho passa, retinindo, no seu vaivém entre Monterey e Pacific Groive. Todos os dias as fábricas de conservas expelem para o ar o desagradável cheiro do peixe a que reduzem o tamanho. Todas as tardes, o vento sopra da baía a agita ois pinheiros nas colinas. Os pescadores à linha sentam-se nas rochas de cana na mão e no rosto vinca-se-lhes a paciência e o cinismo.
John Steinbeck em O Milagre de São Francisco.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
DITOS & REDITOS
É bom ver crescer uma árvore plantada por nós.
O que tem de ser, tem de ser, e tem muita força.
Feliz ao jogo, infeliz aos amores.
Todo o silêncio é um grito.
As palavras falam por elas próprias.
A esperteza tem limites.
Dar-se sempre ao respeitinho.
A ganância dos ricos não tem limites.
O miudinho escrutínio da solidão.
O HOMEM DO MALBORO
Soube-se hoje que Eric
Lawson, um dos muitos rostos da publicidade para os cigarros Marlboro, morreu, com 72 anos, no
passado dia 10.
Fumava desde os 14
anos e torna-se no terceiro homem da Marlboro
a morrer de cancro.
Fumar mata, sabe-se,
mas alguns continuam a fumar.
A mulher de Eric
Lawson disse aos media norte-americanos que ele sabia que os cigarros o estavam a matar, mas não conseguia parar.
Escolhas.
Uma coisa é certa: a
vida lança-nos, quando muito bem quer, para os braços da morte.
Só não sabemos nem o dia nem a hora.
Só não sabemos nem o dia nem a hora.
O escritor Manuel da
Fonseca, amiúde, dizia: Isto de
estar vivo ainda um dia acaba mal.
domingo, 26 de janeiro de 2014
PORQUE HOJE É DOMINGO
É bom estar à espera da Primavera, mas ainda é Inverno e temos um bom pedaço para penar.
Dias cinzentos, aborrecidos.
Tarde na Rua do Carmo.
O cheiro bom a castanhas assadas, quentes e boas.
A ternura de uma criança junto ao vendedor de castanhas: filha?, neta?, importa pouco e esta é a oportunidade de ir buscar o Homem das castanhas cantada pelo carlos do Carmo, versos de Ary dos Santos, música de Paulo de carvalho.
Porque é domingo!
Na Praça da
Figueira, ou no Jardim da Estrela,
num fogareiro aceso é que ele arde.
Ao canto do Outono, à esquina do Inverno,
o homem das castanhas é eterno.
num fogareiro aceso é que ele arde.
Ao canto do Outono, à esquina do Inverno,
o homem das castanhas é eterno.
Não tem eira nem beira, nem guarida,
e apregoa como um desafio.
É um cartucho pardo
a sua vida,
e, se não mata a fome, mata o frio.
e, se não mata a fome, mata o frio.
Um carro que se empurra, um chapéu esburacado,
no peito uma castanha que não arde.
Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansado
o homem que apregoa ao fim da tarde.
Ao pé dum candeeiro acaba o dia,
voz rouca com o travo da pobreza.
Apregoa pedaços de alegria,
e à noite vai dormir com a tristeza.
Quem quer quentes e
boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais calor (amor) para casa.
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais calor (amor) para casa.
A mágoa que
transporta a miséria ambulante,
passeia na cidade o dia inteiro.
É como se empurrasse o Outono diante;
é como se empurrasse o nevoeiro.
passeia na cidade o dia inteiro.
É como se empurrasse o Outono diante;
é como se empurrasse o nevoeiro.
Quem sabe a desventura do seu fado?
Quem olha para o homem das castanhas?
Nunca ninguém pensou que ali ao lado
ardem no fogareiro dores tamanhas.
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Inverno,
José Carlos Ary dos Santos Poemas
POSTAIS SEM SELO
Todos os inquisidores do mundo queimam os livros em
vão: quando os livros têm valor, conseguimos escutar o seu riso silencioso
entre as chamas. Porque um livro autêntico renasce sempre das cinzas.
OLHAR AS CAPAS
Círculo Aberto
António Ramos Rosa
Capa: José Araújo
Editorial Caminho, Lisboa, Abril de 1979
sábado, 25 de janeiro de 2014
O ULTRAJE
No Público de anteontem, Luís Fernandes, da Universidade do Porto, ironizou sobre a transformação em pasta de papel, pelo grupo Leya, "de dezenas de milhares de livros de Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Eduardo Lourenço e Vasco Graça Moura, publicados pela ASA".
Sempre quis comprar
um dos livros destruídos: a antologia de poesia e prosa que Eugénio de Andrade
fez e a ASA editou, com o nome maravilhoso e verdadeiro de Daqui houve nome Portugal. Era um
livro bonito, grande, muito bem impresso e encadernado, sob a chancela da Oiro
do Dia. Li-o na biblioteca de universidades inglesas mas, para vergonha minha
(como já o tinha lido, num prenúncio dos malefícios da Internet), nunca o
comprei; apesar de achar que, sendo caro, era barato para o que era. O papel
era bom. A selecção era boa. Era um livro perfeito - e até hoje não o tenho.
Tenho ligações
sentimentais ao grupo Leya (por causa d"O Independente) e ainda esta semana recebi uma proposta
simpática e tentadora da Dom Quixote, que agora faz parte da Leya. Mas que
posso fazer quando uma grande editora, recém-formada e sem qualquer tradição
literária, transforma um livro que era caro de mais para eu comprar em pasta de
papel? É de vomitar. Não podemos dar dinheiro a quem só pensa em dinheiro. José
Saramago - mau escritor mas boa pessoa, na minha miserável opinião - foi enganado.
Eugénio de Andrade e Jorge de Sena - um grande poeta e um génio - foram
ultrajados.
Desejo sinceramente
que a Leya se foda.
Legenda: ilustração de Snowball
DETALHES
Dizem as escrituras: não sabeis nem o dia nem a hora.
Na noite em que Miklós Fehér morreu, a agenda dos matutinos fazia chamada de atenção para transmissão que a Sport TV iria fazer do jogo Guimarães-Benfica, marcado para as 19H45, no Estádio D. Afonso Henriques.
O Diário de Notícias adiantava que,
dada a lesão de Nuno Gomes, Fehér poderia ir a jogo.
O treinador José António Camacho acabou por optar por
Zahovic, mas aos 60 minutos Fehér entrou para substituir João Pereira.
O suficiente para ter participado na jogada que daria o
único golo do jogo, alcançado aos 90 minutos por Fernando Aguiar.
Por mera curiosidade, diga-se que o treinador do Vitória de
Guimarães era Jorge Jesus.
O ÚLTIMO SORRISO
Quem em directo, pela televisão, viu aquele sorriso de
menino a caminho da morte, não mais pode esquecer.
Miklós Fehér, Miki para os companheiros, avançado húngaro ao
serviço do Benfica, jogava os últimos minutos do tempo complementar de um
Guimarães-Benfica.
Uma noite chuvosa, o Benfica conseguira o golo, que lhe dava
a vitória, aos noventa minutos de jogo.
Após uma falta, Fehér impede o recomeço do jogo e o árbitro
admoesta-o com o cartão amarelo.
Ele sorri, tá bem abelha, vamos ganhar,
e cai fulminado por uma paragem cardio-respiratória.
Passados que são 10 anos sobre essa trágica noite, continuamos
sem encontrar palavras
Apenas aquele sorriso de menino.Legenda: a capa de A Bola de 26 de Janeiro de 2004, é retirado do Baú, o tal sem fundo, onde a Aida coloca tudo e mais alguma coisa.
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
SARAMAGUEANDO
O livro, no bom dizer do saudoso editor Manuel Hermínio
Monteiro deve conter a própria vida dos que com ele lidam quotidianamente.
Sou do tempo em que os livros estavam ao cuidado de gente
culta.
Orgulhosamente profissionais, livreiros e editores sabiam o
que tinham entre mãos.
Com a chamada globalização, os livreiros foram substituídos
por computadores e os grandes grupos editoriais como a Leya, Porto Editora, Bertrand &Cª Lda, desataram a comprar pequenas e
grandes editoras, não com o objectivo de as valorizar mas para, simplesmente,
ganharem algo com o negócio.
Por exemplo, Miguel Pais do Amaral, um empresário de tudo e
mais alguma coisa, constituiu a Leya e comprou, entre outras
pequenas editoras, as Publicações Dom Quixote e a Editorial Caminho que têm nos seus
catálogos diversos escritores portugueses e jóias da coroa como António Lobo
Antunes, e José Saramago.
Numa entrevista à Notícias Sábado, Fevereiro de 2010:
Os carros são o meu hobby, é algo que me acompanha desde sempre. Em
termos competitivos, fui evoluindo aos poucos e agora isto é o máximo. O prazer
de correr é único e sinto-me um privilegiado.
Pierre Bourdieu, citado por Arnaldo Saraiva disse que o
editor é um personagem duplo que deve saber conciliar a arte e o dinheiro.
Claro que é possível gostar de carros e de livros ou, como
na aldeia de Asterix, ser-se bárbaro e gostar de flores, mas não é o caso do
personagem que presidencialmente se senta numa cadeira do edifício Leya.
Mário de Carvalho, durante muitos anos editado pela Caminho,
em 2012 abandonou o grupo Leya pois não estava sujeito a que
tivessem demorado três anos para saber quem ele era.
Acho que quem sabe de livros, deve fazer livros, quem sabe de cervejas
ou de sabonetes deve tratar de cervejas ou de sabonetes…
Quarta-feira ficámos a saber que José Saramago não volta a ser publicado pela Leya.
Não se conhecem os
contornos da decisão, apenas se sabe que chegou ao fim uma relação editorial iniciada
há 35 anos, com a publicação de A Noite.
A posição da Leya surge depois de uma das
editoras do grupo a Editorial Caminho, ter anunciado deixar de publicar as obras de
José Saramago, por falta de acordo com as herdeiras do Nobel da Literatura.
As herdeiras de José Saramago e a Editorial Caminho informam que não
foi possível chegar a acordo sobre as condições contratuais que permitiriam
continuar a publicar nesta editora a obra do escritor, lê-se num
comunicado assinado pelas herdeiras do escritor, a viúva, Pilar del Rio, e a
filha, Violante Saramago Matos, e ainda por Tiago Morais Sarmento e Zeferino
Coelho, da Editorial Caminho.
José Sucena,
administrador da Fundação José Saramago
já tornou público que a instituição está a fazer diligências no sentido de encontrar uma editora que sirva a Saramago e
a quem Saramago sirva, e avançou a hipótese de, caso não seja
encontrada uma editora, ser a própria fundação e editar os livros de José
Saramago
Almeida Faria, João Tordo, José Eduardo Água Lusa, Ricahrd Zimler, João Tordo, os herdeiros de
Sophia Mello Breyner Andresen, o anteriormente citado Mário de carvalho, já
abandonaram a Leya.
OLHAR AS CAPAS
O Milagre de São Francisco
John Steinbeck
Tradução: Gervásio
Álvaro
Capa: Daniel Barradas
Editora Livros do
Brasil, Lisboa Janeiro de 2008
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Olhar as Capas
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
POSTAIS SEM SELO
do cigano
ter a carta de passagem,
da cidade os garotos numa tarde de futebol,
do marinheiro
encharcado no suor das madrugadas,
de Márcia
os cabelos negros, soltos a beijar o vento
NOMOFOBIA
Não gosto de telefones, tão pouco de telemóveis.
Dos telemóveis reconheço a sua utilidade para emergências, sejam elas quais
forem, mas apenas para isso.
Há alguns meses que sou proprietário de um primitivo modelo
de telemóvel, apenas porque a família entendeu que, começando a ficar gagá,
servirá para chamar o 112, o que quer que seja, alguém que
me dê uma mãozinha em caso de aflição.
Há quem fique aterrorizado com a ideia de ficar sem bateria,
rede ou saldo no telemóvel.
Os ingleses chamam-lhe nomofobia e
já está definida como uma sensação de angústia que surge quando
alguém se sente impossibilitado de se comunicar ou se vê incontactável estando
sem seu telemóvel.
A psicóloga Maria João Moura diz que há pessoas
que não desligam o telemóvel para não estarem sozinhas.
Mário de Carvalho a págs. 13 de Fantasia para
Dois Coronéis e Uma Piscina:
Telefones móveis! Soturma apoquentação! Um país
tagarela tem, de um momento para o outro, dez milhões de íncolas a quere saber
onde é que os outros param, e a transmitir pensamentos à distãncia.
Maria do Rosário Pedreira no blogue Horas Extraordinárias:
A sociedade moderna, excessivamente tecnológica,
torna-nos bichos solitários (no masculino, claro). No Facebook, apanhei há
tempos uma fotografia divertida de um bar, na parede do qual o proprietário
afixara um pedido para que os clientes largassem os telemóveis e falassem, por
favor, uns com os outros. É verdade que muita gente vive completamente escrava
destes e de outros aparelhos, talvez para não se sentir muito sozinha, mas
ainda assim sozinha porque ignorando por causa disso os que ali estão e podiam
fazer-lhe companhia melhor do que as SMS que chegam, irritantemente, a todo o
momento e exigem resposta. Com muitos cafés transformados em agências
bancárias, desapareceram também as conversas e tertúlias que, nos anos 1960 e
1970, segundo me conta o Manel, juntavam à roda de uma mesa (em Lisboa e no
Porto, pelo menos) muita gente que queria falar e discutir assuntos, conhecer
escritores e mostrar poemas, levantar a voz contra o poder instituído e planear
acções culturais e políticas. Hoje, os cafés têm poucas mesas e, ao que parece,
os jovens intelectuais perderam o gosto de se encontrar e trocar impressões, a
menos que seja por e-mail. Talvez os blogues tenham substituído esses
encontros ao vivo, mas, num período tão mau como o que vivemos, não era
descabido que se realizassem de novo tertúlias, até porque delas poderiam sair
ideias boas e criativas que nos alegrassem os dias.
Jorge Listopad:
À mesa de uma esplanada, vejo chegar um casal, jovem
ainda. Sentam-se, encomendam a bebida, e logo, no mesmo tempo, como em
simultâneo, puxam dos respectivos telemóveis e põem-se a conversar.
Cada um para seu lado, animadamente.
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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
SARAMAGUEANDO
De acordo com o programa de Português do ensino secundário,
homologado esta segunda-feira, os alunos do 12.º ano vão poder optar entre
estudar o Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis,
ambas obras de José Saramago.
A excepção acontece nos anos letivos de 2017-2018 e
2018-2019, em que O Ano da Morte de Ricardo Reis se impõe a Memorial do Convento e
que integrava os currículos do secundário há largos anos.
De um artigo de opinião de Miguel Real no Público:
1. - MC apresenta
uma diferença entre a representação da história visível (presente nos manuais
da disciplina de História) e a desconstrução da mesma, evidenciando uma profunda
reinterpretação e reflexão sobre a sociedade, forçando a necessidade de
inquirição do aluno sobre um outro sentido para a História;
2. - MC é um
dos romances de Saramago em que se colocam com maior e melhor nitidez a questão
da nova complexidade do estatuto do narrador, elemento de profunda
originalidade da obra deste escritor;
3. - MC é
atravessado, como referimos, por uma onda de lirismo como dificilmente encontra
paralelo no romance português contemporâneo, lirismo profundamente harmónico
com a mente adolescente dos alunos, para a qual a entrega à Arte (Scarlatti), à
Ciência (Bartolomeu de Gusmão) e ao Maravilhoso (Blimunda) são alternativas
credíveis na opção pelo sentido de vida;
4. - MC ostenta
uma galeria de personagens maravilhosas, singularmente diferentes da
normalidade social, que encanta a mentalidade adolescente, criando-lhe um
optimismo existencial, uma vontade de enfrentar a vida como raramente se
encontra no romance português;
5. - MC caracteriza
na figura de D. João V e dos seus áulicos alguns dos males éticos de que padece
a permanente elite portuguesa: a ostentação, a vaidade, o excesso, a ambição
tola por imitação de modas estrangeiras, a indiferença para com o sofrimento
das populações, a antiga repressão sobre a sexualidade do corpo feminino;
6. - MC denuncia,
em estilo irónico, sarcástico, até jocoso, estilo que se conforma com a
mentalidade adolescente, atraindo-a, o contexto sócio-político megalómano dos
costumes cortesãos do século XVIII e a mentalidade interesseira da corte, obviando
a evidentes paralelismos com a actualidade;
7. - MC expõe
uma amplidão lexical como raramente se assiste no actual romance português,
cruzando vocabulário erudito com popular, histórico com presente, abrindo um
novo horizonte no domínio plástico da língua aos alunos;
8. - MC enfatiza
a necessidade de transgressão social para que a História avance, enaltecendo a
capacidade de acção comandada pelo sonho, pelo visionarismo, pela vontade de
criação de um futuro diferente;
9. - MC lega
uma mensagem implícita, que repercute inconscientemente na mente dos alunos: a
necessidade de cada um construir a sua "passarola", de possuir o seu
"sonho" e a necessidade de ser diferente dos restantes para o
cumprir;
10. - Finalmente, por todos estes motivos, MC é um dos raros textos da literatura portuguesa que
interpenetra de um modo admirável Vida e Literatura, Arte e Cidadania,
Existência e Reflexão, não raro reconciliando os estudantes com o estudo da
Língua e da História.
Dir-me-ão que, oposto ao presente, poder-se-ia criar um texto com 10
características relevantes de OAMRR que
de igual modo o qualificariam como uma narrativa de grande qualidade literária,
não inferior a MC. É
verdade. Eu próprio o fiz. E, por isso, iniciei este artigo referindo que nada
havia a opor à integração de OAMRR nas
obras de leitura obrigatória do 12.º ano (único problema, externo ao romance,
consistiria numa porventura exagerada presença de Fernando Pessoa no novo
programa do 12.º ano, mas, reconheço, também este argumento é subjectivo).
POSTAIS SEM SELO
A vida verdadeira é
uma solitária repetição de gestos.
Nuno Júdice
Legenda: pintura de
Jack Vettriano
O QUÉ QUE VAI NO PIOLHO?
Dizem que os morangos são a fruta símbolo de Vénus, a deusa
do amor.
Dizem também que o champanhe é o leite dos adultos, o néctar
dos deuses.
Conta a lenda que Dom Perignon, depois de ter inventado o champanhe, chamou um outro monge e foi-lhe dizendo: Venha depressa provar! Estou a beber estrelas!
Conta a lenda que Dom Perignon, depois de ter inventado o champanhe, chamou um outro monge e foi-lhe dizendo: Venha depressa provar! Estou a beber estrelas!
Uma cena inesquecível de Pretty Woman?
Quando Richard Gere oferece morangos à Julia Roberts.
Ela olha
interrogativa, e ele responde que os morangos realçam o sabor do champanhe.
Na questão deste pormenor há cepticos.
Quem realmente admita que os morangos realçam o sabor do
champanhe, mas que não parece ser a melhor qualidade deste mundo possuir
opiniões sólidas e infalíveis porque, se verdade existe na teoria, uma outra
conduz-nos a que para que isso, de vero, aconteça, fica sempre a faltar a Julia
Roberts…
David Gilmour, em O Clube de Cinema, diz ao filho:
Perguntei certa vez ao David Cronemberg se tinha alguns «prazeres
inconfessáveis» em relação ao cinema – filmes que sabia não prestarem mas que
adorava na mesma. Abri caminho à sua resposta admitindo ter um fraquinho por Um Sonho de Mulher (1990) com Julia Roberts. O filme não tem um único momento
verosímil, mas é uma narrativa surpreendentemente eficaz, uma sucessão de
cenas agradáveis que nos prendem até ao fim, depois de ficarmos agarrados
àquela história tão idiota.
- Os canais de televisão cristãos – respondeu o Cronemberg sem hesitar.
Alago o fascinava naqueles evangelistas do Sul de cara inchada, a
agarrar uma multidão.
Legenda: a cena do filme onde se fala dos morangos e do
champanhe, não é bem a que podem ver, mas foi o mais perto que consegui encontrar…
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O Qu'é Que Vai No Piolho?
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
OLHARES
Numa tarde cinzenta de Inverno, um homem com o aspecto de ser um imigrante de um país do Leste, reparte o pão com os pombos do Jardim Tristão da Silva.
QUATRO OU CINCO OBJECÇÕES...
Como se calculará,
esta conversa vem a propósito do voto da Assembleia da República, que determina
o depósito de Eusébio no Panteão. Contra a qual tenho quatro ou cinco
objecções. Por um lado, não me cheira que Eusébio gostasse de se ver naquela
companhia. Por outro, ninguém lhe pediu autorização para esse exercício de
propaganda dos políticos, que ele talvez não apreciasse. E há mais. Há que
Eusébio era um génio da sua profissão e de repente (tirando Garrett e Amália) o
rodeiam de uma série de mediocridades, que nunca se distinguiram por terem
ajudado a humanidade ou os portugueses. Sim, senhor, Eusébio merece um Panteão.
Mas não aquele. Um Panteão no estádio do Benfica, ou perto dali, que as pessoas
pudessem visitar sem medo de se irritar ou contaminar. Quanto ao Panteão
Nacional, do que ele precisa com urgência é de um “saneamento” sucessivo, que o
aproxime um pouco da realidade.
Vasco Pulido Valente, Público, 10 de Janeiro
OLHAR AS CAPAS
Um Sonho Americano
Norman Mailer
Tradução: H. Silva Letra
Capa: João da Câmara Leme
Colecção Contemporânea nº 107
Portugália Editora, Lisboa Setembro de 1968
Colecção Contemporânea nº 107
Portugália Editora, Lisboa Setembro de 1968
Tomámos chá com
biscoitos, numa confeitaria, em silêncio a maior parte do tempo. Ao levar a
chávena aos lábios, em certo momento, notei que a mão me tremia. Cherry também
o percebeu.
- Teve uma noite
agitada – disse ela.
- Não é a noite –
respondi. – É a manhã que me espera.
- Tem medo das
próximas horas?
- Estou sempre com
medo.
Ela não riu, sacudiu
apenas a cabeça.
- Estava com a neura –
disse ela.
- Alguma boa razão?
- Sentia-me com
disposição para o suicídio.
- É uma coisa que
acontece a todas as mulheres bonitas.
- Muito pior que isso.
- Sim.
- Não acha que existe
um momento em que é justo o suicídio?
- Talvez.
- Como se fosse a
última oportunidade?
- Explique-se.
- Já viveu com os
mortos?
Fez a pergunta com o
seu rosto de americana prática.
- Não – volvi – Não vivi,
realmente.
- Bem, vivi sempre com
a mamã e com o papá, enquanto crescia, e eles estavam mortos. Morreram quando
eu tinha quatro anos e cinco meses. Um desastre de automóvel. Fiquei com o meu
irmão e a minha irmã, mais velhos.
- Eram bons?
- Merda, não – disse Cherry
– Eram meio loucos.
Acendeu um cigarro. Os
círculos sob os seus olhos denunciavam cansaço, o verde fazia-se violeta na
beira das pálpebras e, ao dissipar-se nas faces, ia-se convertendo num amarelo
gasto.
- Quando vivemos com
os mortos chegamos a compreender que num certo dia, num certo ano, estão
prontos a receber-nos – disse ela – Tem de ser naquele, pois se não for
poderemos morrer num dia em que ninguém está à espera, e ficar vagando no
espaço. É por isso que, quando chega, o impulso é tão forte. Eu sei. O meu dia
chegou uma vez. Não o aproveitei.
DITOS & REDITOS
É
bom ver crescer uma árvore plantada por nós.
O
que tem de ser, tem de ser, e tem muita força.
Feliz
ao jogo, infeliz aos amores.
Há
coisas que nunca se poderão explicar por palavras.
A
cultura é um mercado de bugigangas.
Deixar
para o dia de amanhã o que ao dia de amanhã pertence.
Subir
a pulso.
É
proibido o massé.
Ter
tempo para ter tempo.
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
OLHAR AS CAPAS
Não Posso Adiar o Coração
António Ramos Rosa
Prefácio Eduardo Lourenço
Plátano Editora, Lisboa, Junho de 1974
Este homem que
esperou
humilde em sua casa
que o sol lavasse a
cara
ao seu desgosto
Este homem que
esperou
à sombra de uma
árvore
mudar a direcção
ao seu pobre
destino
Este homem que
pensou
com uma pedra na
mão
transformá-la num
pão
transformá-la num
beijo
Este homem que
parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais
leve
que a sua própria
sombra
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Eduardo Lourenço,
Olhar as Capas
CARRILHÕES DA LIBERDADE
Ao longe entre o
ocaso do entardecer e o dobre quebrado da meia-noite
Abrigámo-nos na
entrada, ribombava um trovão
Enquanto majestosos
sinos de faíscas acendiam sombras nos sons
Parecendo os
carrilhões da liberdade a faiscar
Faiscando para os
guerreiros cuja força não é para combater
Faiscando para os
refugiados na indefesa estrada da fuga
E para cada um e
todos os soldados desfavorecidos na noite
E nós contemplámos
os carrilhões da liberdade a faiscar
Na fornalha
derretida da cidade, assistimos inesperadamente
De rostos ocultos
enquanto os muros se apertavam
À medida que o eco
dos sinos nupciais antes da rajada da chuva
Se dissolvia nos
sinos do relâmpago
Dobrando pelos
rebeldes, dobrando pelos libertinos
Dobrando pelos
desafortunados, os abandonados e rejeitados
Dobrando pelos
proscritos, constantemente a arder no perigo
E nós contemplámos
os carrilhões da liberdade a faiscar
Por entre o louco
martelar místico do granizo feroz e dilacerante
O céu estalava os
seus poemas em espanto nu
Que a persistência
dos sinos da igreja soprava para longe dentro da brisa
Deixando não mais
que sinos de relâmpago e o seu trovão
Soando pelos
mansos, soando pelos afáveis
Soando pelos guardiães
e protectores da mente
E pelo pintor
não-alinhado atrasado para além do seu tempo
E nós contemplámos
os carrilhões da liberdade a faiscar
Através do selvagem
entardecer catedralesco a chuva desfiava contos
Para as formas
anónimas sem posição nenhuma
Dobrando pelas
línguas sem lugar onde conduzir os seus pensamentos
Em situações dadas
como certas
Dobrando pelos
surdos e cegos, dobrando pelos mudos
Dobrando pela mãe
sem companheiro, maltratada, a mal-apelidada prostituta
Pelo criminosos de
pequeno delito, acossado e enganado pela perseguição
E nós contemplámos
os carrilhões da liberdade a faiscar
Ainda que a cortina
branca duma nuvem num canto longínquo cintilasse
E a hipnótica neblina
derramada se fosse elevando lentamente
A luz eléctrica
ainda dardejava como flechas, disparadas todas excepto aquelas
Condenadas a perder
o rumo ou a ser impedidas de o perder
Dobrando pelos que
buscam, no seu trilho da procura
Pelos amantes de
coração solitário com uma história demasiado pessoal
E por cada alma
dócil e inofensiva erradamente colocada dentro duma prisão
E nós contemplámos
os carrilhões da liberdade a faiscar
De olhos brilhantes
como estrelas e rindo tal como recordo quando fomos apanhados
Capturados pela
ausência da passageira das horas, pois pairavam suspensas
Enquanto escutávamos
uma última vez e observávamos com um último olhar
Enfeitiçados e absorvidos
até o dobre dos sinos terminar
Dobrando pelos
doloridos cujas feridas não podem ser tratadas
Pelos incontáveis
viciados desorientados, acusados, abusados e coisas piores
E por cada pessoa
angustiada em todo o vasto universo
E nós contemplámos
os carrilhões da liberdade a faiscar
Bob Dylan
Canção do álbum Another Side ofBob Dylan (1964)
Bob Dylan em Canções
Volume I (1962-1973) Relógio D’Água, Lisboa Setembro de 2006
Na impossibilidade de colocar a interpretação de Bob Dylan, optou-se por uma gravação, ao vivo, de Bruce Sprinsteen e outros.
domingo, 19 de janeiro de 2014
PORQUE HOJE É DOMINGO
e porque os dias estão triste e e sombrios, trazer aqui uma canção que faça mudar o rumo: Smile.
Tanto quanto me contaram, fala da importância de sorrir, mesmo que por dentro a tristeza se passeie e se possa concluir que a vida vale sempre a pena.
Há muitas interpretações desta canção, mas escolhi a de que mais gosto, a de Nat King Cole.
Bom domingo.
NOTÍCIAS DO CIRCO
Há semanas com dias em cheio, ou como lhe chamou o Expresso, eufóricos:
Gaspar o ex-ministro das finanças que nos empurrou para o
patamar onde , a tudo o custo, tentamos sobreviver, com o apoio da Merkel vai para o FMI, o
ex-ministro da economia, o Álvaro, vai para a OCDE, José Luís Arnaut vai para a
Goldman
Sachs.
Bagão Félix volta e meia
lembra-nos que melhor do que ser ministro é ser
ex-ministro, Pedro Santos Guerreiro atalha melhor do que ser ministro é
trabalhar com bancos que trabalham com ministros.
O escritório de advocacia de José Luís Arnaut tem estado em
todas as privatizações que o governo tem vindo a despachar: EDP,
REN,, ANA, CTT, também a da TAP, que não teve pernas para andar,
mas logo se verá.
O governo, depois de chamar nomes feios à Goldman
Sachs, acaba de a contratar para assessorar a dívida pública.
De imediato, a Sachs assobia a Arnaut para que ocupe
um lugar de topo na empresa, um lugar deixado vago por Mario Monti, ex-primeiro
ministro italiano e antigo comissario europeu.
O tio do sr. Edson Athaide dizia que um homem que não se deixa
subornar não é de confiança, ao passo que o escritor Eugénio Lisboa, escrevia
no último JL que a corrupção em Portugal, tem uma
característica distintiva: é totalmente descarada e primária.
Ângela Silva, jornalista do Expresso lembra que Arnaut
sabe
gerir influências e tirar partido delas e com Nuno Morais Sarmento e Miguel
Relvas formou durante anos o núcleo duro do barrosismo. Hoje, curiosamente,
todos trocaram a política pelos negócios.
O puto, entre duas colheradas de Nestum: mamã,
quando eu crescer posso ser corrupto?
No limiar do vómito e, porque isto anda tido ligado, socorro-me
de um poema de José Miguel Silva cujo título diz tudo: Feios,
Porcos e Maus:
Compram aos catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso
da jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas de limpeza após combate.
São os chamados anos de formação. Aí aprendem
a compor o gesto, a interpretar humores,
a mentir honestamente, aí aprendem a leveza
das palavras, a escolher o vinho, a espumar
de sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte já conhecem
pelo faro o carisma de uns, a menos valia
de outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é preciso minar, desminar, intrigar, reunir.
Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.
Há então quem vá pelos municípios, quem prefira
os organismos públicos — tudo depende do golpe
de vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e dois é bem o momento de começar
a integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza em cima de tudo.
A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de empresa municipal, coordenador de,
assessor de ministro, ministro, comissário ou
director-executivo, embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol.
No final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de panegírico, bombardas, fanfarras de formol.
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