De acordo com o programa de Português do ensino secundário,
homologado esta segunda-feira, os alunos do 12.º ano vão poder optar entre
estudar o Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis,
ambas obras de José Saramago.
A excepção acontece nos anos letivos de 2017-2018 e
2018-2019, em que O Ano da Morte de Ricardo Reis se impõe a Memorial do Convento e
que integrava os currículos do secundário há largos anos.
De um artigo de opinião de Miguel Real no Público:
1. - MC apresenta
uma diferença entre a representação da história visível (presente nos manuais
da disciplina de História) e a desconstrução da mesma, evidenciando uma profunda
reinterpretação e reflexão sobre a sociedade, forçando a necessidade de
inquirição do aluno sobre um outro sentido para a História;
2. - MC é um
dos romances de Saramago em que se colocam com maior e melhor nitidez a questão
da nova complexidade do estatuto do narrador, elemento de profunda
originalidade da obra deste escritor;
3. - MC é
atravessado, como referimos, por uma onda de lirismo como dificilmente encontra
paralelo no romance português contemporâneo, lirismo profundamente harmónico
com a mente adolescente dos alunos, para a qual a entrega à Arte (Scarlatti), à
Ciência (Bartolomeu de Gusmão) e ao Maravilhoso (Blimunda) são alternativas
credíveis na opção pelo sentido de vida;
4. - MC ostenta
uma galeria de personagens maravilhosas, singularmente diferentes da
normalidade social, que encanta a mentalidade adolescente, criando-lhe um
optimismo existencial, uma vontade de enfrentar a vida como raramente se
encontra no romance português;
5. - MC caracteriza
na figura de D. João V e dos seus áulicos alguns dos males éticos de que padece
a permanente elite portuguesa: a ostentação, a vaidade, o excesso, a ambição
tola por imitação de modas estrangeiras, a indiferença para com o sofrimento
das populações, a antiga repressão sobre a sexualidade do corpo feminino;
6. - MC denuncia,
em estilo irónico, sarcástico, até jocoso, estilo que se conforma com a
mentalidade adolescente, atraindo-a, o contexto sócio-político megalómano dos
costumes cortesãos do século XVIII e a mentalidade interesseira da corte, obviando
a evidentes paralelismos com a actualidade;
7. - MC expõe
uma amplidão lexical como raramente se assiste no actual romance português,
cruzando vocabulário erudito com popular, histórico com presente, abrindo um
novo horizonte no domínio plástico da língua aos alunos;
8. - MC enfatiza
a necessidade de transgressão social para que a História avance, enaltecendo a
capacidade de acção comandada pelo sonho, pelo visionarismo, pela vontade de
criação de um futuro diferente;
9. - MC lega
uma mensagem implícita, que repercute inconscientemente na mente dos alunos: a
necessidade de cada um construir a sua "passarola", de possuir o seu
"sonho" e a necessidade de ser diferente dos restantes para o
cumprir;
10. - Finalmente, por todos estes motivos, MC é um dos raros textos da literatura portuguesa que
interpenetra de um modo admirável Vida e Literatura, Arte e Cidadania,
Existência e Reflexão, não raro reconciliando os estudantes com o estudo da
Língua e da História.
Dir-me-ão que, oposto ao presente, poder-se-ia criar um texto com 10
características relevantes de OAMRR que
de igual modo o qualificariam como uma narrativa de grande qualidade literária,
não inferior a MC. É
verdade. Eu próprio o fiz. E, por isso, iniciei este artigo referindo que nada
havia a opor à integração de OAMRR nas
obras de leitura obrigatória do 12.º ano (único problema, externo ao romance,
consistiria numa porventura exagerada presença de Fernando Pessoa no novo
programa do 12.º ano, mas, reconheço, também este argumento é subjectivo).
Sem comentários:
Enviar um comentário