sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A FUGA DE PENICHE



O militante comunista Francisco Miguel deixou escrito:

Nunca me conformei com a ideia de que haja alguma prisão absolutamente invulnerável.

Quando presos, a preocupação da fuga era uma constante. Escapar da prisão era um dos requisitos e uma das tarefas que o Partido Comunista atribuía aos seus militantes.

Se bem que projectados cuidadosamente, cerca de três quartos dos planos de fuga não resultaram. Resta um quarto desses planos e nesse número estão as Fugas de Peniche: uma em 3 de Janeiro de 1960, outra em Dezembro de 1961

Álvaro Cunhal chegou a Peniche no Verão de 1956.

Em Janeiro de 1960, juntamente com outros camaradas de Partido, Carlos Costa, Francisco Miguel, Guilherme Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares, Rogério de Carvalho e Francisco Martins Rodrigues, saltou as muralhas

A operação de fuga começou a desenrolar-se ao som da 6ª Sinfonia de Tchaikovsky.
A Patética tocava num gira-discos que os guardas tinham autorizado Humberto Lopes a utilizar na sua cela numa conjuntura de descompressão da disciplina prisional. (1).

Dentro do Forte, a fuga contou com a colaboração de Jorge Alves, guarda da GNR.

Como não tinha quaisquer convicções políticas o Partido ofereceu-lhe 200 contos, para a época uma pequena fortuna, e foi isso que o fez colaborar.

Meu amigo isto é dinheiro da calasse operária e dinheiro que custou muito aos trabalhadores. Está todo nas suas mãos. Esperamos que você mereça a confiança que depositamos em si.

Segundo José Pacheco Pereira, o principal factor de sucesso fora a capacidade de preparação minuciosa dos militantes presos e a sua coragem e sangue-frio face a todas adversidades. Mesmo que, por qualquer motivo, a fuga tivesse sido abortada na sua segunda fase – o trajecto para os esconderijos na zona de Lisboa –, nem por isso deixaria de poder ser considerada um enorme sucesso político para o PCP e um momento alto contra o regime de Salazar. Poucas fugas de carácter político se lhe podem comparar, mesmo incluindo as mais célebres fugas ocorridas durante a II Guerra Mundial. Na história do movimento comunista, é um acontecimento ímpar. (2).

Fontes:
(1)   Álvaro Cunhal, Retrato Pessoal e Íntimo, Adelino Cunha, A Esfera dos Livros, Lisboa Novembro de 2010.


(2)   Álvaro Cunhal, Uma Biografia Política, 3º volume, Temas & Debates, Lisboa Novembro de 2005..



Abandono
Poema de David-Mourão Ferreira
Música: Alain Oulman


Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Foi de noite numa noite
De todas a mais sombria
Foi de noite, foi de noite
E nunca mais se fez dia.

Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
E ao menos ouves o vento
E ao menos ouves o mar.

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