Fortaleza
António Borges Coelho
Capa: Henrique Ruivo
Edições Seara Nova, Lisboa Outubro de 1974
- Onde está o homem está o guarda!
Dois guardas armados para um homem preso.
Anos sem rosto escorrendo humidade nas celas onde os
passos marcavam o chão. O oceano rebentava de baixo pelas furnas, precipitava-se
sobre o quebra-mar ou sobre os ilhéus do Baleal ao longe.
Tempo de descasca de batata, de descasca dos anos, de
descasca da angústia, entrecortado com palavras em que se ocultavam a economia
e a política.
Tempo de mulheres solteiras, de casamentos brancos, de
lencóis molhados, de facas retalhando os bolos das namoradas, retalhando a
raiva.
Tempo de país amordaçado, de apitos, de portas batidas
na cara, do balde das sobras, do balde do mijo.
Tempo de voz ensinada a parar justamente na tua orelha
pois o guarda lá estava: - fale mais alto que eu também quero ouvir.
Tempo de gargalhada livre no corpo cativo.
Tempo de mãos sujas folheando o corpo engordurando
livros e papéis.
- Não são permitidas bibliotecas.
- Napoleão? Já disse que não podem falar em política.
- Ó sô guarda, posso ir a… - Não pode.
- Não posso ir a… - Pode.
Tempo sem música, só os cânticos pagos no «segredo».
Tempo onde o tempo morre.
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