Alexandre O’Neill
Selecção,
prefácio: Antonio Tabucchi
Fotografias:
Alexandre Delgado O’Neill
Capa: Luiz Duran
Círculo de
Leitores, Lisboa, Dezembro de 1986
A minha amiga alentejana tem uma grande alegria.
Natural? Acho que não. A sua grande alegria foi ter deixado de viver no
Alentejo. Lá, o que era ela, afinal? Uma grande ansiedade nos fundões dos
olhos, mãe à perna, aspirante de Finanças a prometer, o idiota, frigorífico e
alta-fidelidade, irmã casada, bebé sobrinho todo ringidos, fogagens e refegos,
cunhado a atrever-se, paternal.
Agora passeia para mim pela casa toda. Descobriu a minissaia. Descobri a açorda à alentejana. Na capital dos trânsfugas, um quarentão e uma rapariga, contam, a dedo, os barcos que há no rio, vão ver a açorda que está ao lume (brando?), passam rasteiras um ao outro, estatelam-se, riem como desalmados que são, não atendem o telefone («Não vás, pode ser o mêc'cunhado!»), bebem tinto com cerveja, rijo bagaço a seco, lacrimejam, engasgam-se, dão palmadas de gáudio nas coxas, atrapalham-se no sempiterno tango de 75: Ese tu corazón pan-pan de gorrión pan-pan senti-mental vlan-vlan! Que grandes maganos!
A minha amiga alentejana, de minissaia, passeia pelas ruas dos trânsfugas em fuga. Esfrega-se pelas montras, malsetém nas pernas. Dá brincos. Vai e vem. Encosta-se ao meu ombro protector. Que amor!
De repente, o bom costume:
- Miguinho, não te esqueceste de fechar o gás? A minha amiga alentejana é a grande ternura que lhe tenho! Pode lá resistir-se a quem andou no varejo da azeitona e agora estende a mão senhoril aos velhos lambuzeiros de porta de livraria malcontendo o riso! Que o cunhado experimente vir buscar-ma já de olho nas pensões da Praça da Figueira! Que o aspirante rechine em missivas de alta fidelidade! Que a mãe perfile o seu luto severo nos umbrais! Que o bebé sobrinho se escame todo! Que a irmã empine a sua nova prenhez! Ninguém pode tirar-me a minha amiga alentejana, este meu acordar do lado da alegria, este delicioso desconchavo quotidiano em que abandalhei (e salvei!) os meus quarenta, esta minha (já póstuma!) elegia.
Agora passeia para mim pela casa toda. Descobriu a minissaia. Descobri a açorda à alentejana. Na capital dos trânsfugas, um quarentão e uma rapariga, contam, a dedo, os barcos que há no rio, vão ver a açorda que está ao lume (brando?), passam rasteiras um ao outro, estatelam-se, riem como desalmados que são, não atendem o telefone («Não vás, pode ser o mêc'cunhado!»), bebem tinto com cerveja, rijo bagaço a seco, lacrimejam, engasgam-se, dão palmadas de gáudio nas coxas, atrapalham-se no sempiterno tango de 75: Ese tu corazón pan-pan de gorrión pan-pan senti-mental vlan-vlan! Que grandes maganos!
A minha amiga alentejana, de minissaia, passeia pelas ruas dos trânsfugas em fuga. Esfrega-se pelas montras, malsetém nas pernas. Dá brincos. Vai e vem. Encosta-se ao meu ombro protector. Que amor!
De repente, o bom costume:
- Miguinho, não te esqueceste de fechar o gás? A minha amiga alentejana é a grande ternura que lhe tenho! Pode lá resistir-se a quem andou no varejo da azeitona e agora estende a mão senhoril aos velhos lambuzeiros de porta de livraria malcontendo o riso! Que o cunhado experimente vir buscar-ma já de olho nas pensões da Praça da Figueira! Que o aspirante rechine em missivas de alta fidelidade! Que a mãe perfile o seu luto severo nos umbrais! Que o bebé sobrinho se escame todo! Que a irmã empine a sua nova prenhez! Ninguém pode tirar-me a minha amiga alentejana, este meu acordar do lado da alegria, este delicioso desconchavo quotidiano em que abandalhei (e salvei!) os meus quarenta, esta minha (já póstuma!) elegia.
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