quinta-feira, 1 de outubro de 2015

OS AMANTES DE LIVROS E OS OUTROS


Já foi há um bom par de meses que se ficou a saber que os herdeiros de José Cardoso Pires decidiram que as obras do autor deixavam de ter a chancela das Publicações Dom Quixote.

A editora perde, dos seus catálogos, um nome de vulto da literatura portuguesa.

Desde que a Leya comprou editoras como as Publicações Dom Quixote, a Caminho, bem como outras, aos poucos tem vindo a perder autores que saem muito pouco satisfeitos com o trabalho do consórcio.

Entre outros já saíram José Saramago, Mário de Carvalho, João Tordo e agora José Cardos Pires.

Fica ainda António Lobo Antunes mas acredita-se que só por ali se mantém porque é «surdo».

Talvez que a aglutinação de editoras seja algo inevitável.

O problema da Leya é que, desde o seu começo, apenas esteve interessada em lucros, nunca em cultura.
Ao contrário da Texto Editora, que também comprou outras editoras, mas que teve o cuidado de colocar à frente da edição um homem que sabe o real e único valor dos Livros: o poeta Manuel Alberto Valente.

Que em Maio de 2008 teve o cuidado de dizer:

Os primeiros sinais que surgem entre nós deixam antever uma filosofia  a subordinação dos diferentes quadros editoriais a um «comité central» completamente alheio ao mundo do livro.

 A Leya pouco ou nada se preocupou com livros e com os autores.

 Aliás tudo aquilo começou mal, no exacto momento em que dispensaram, verdadeiro crime de lesa pátria, o editor Nelson de Matos que, durante anos, foi a trave mestra da Dom Quixote.

À agência Lusa, o editor João Amaral, das Publicações D. Quixote, que detinha os direitos da obra de Cardoso Pires, confirmou a saída do autor do seu catálogo, por decisão das herdeiras.“Fiz tudo o que podia fazer pela obra de Cardoso Pires, e é um autor em que nada me pesa na consciência”, disse.

José Cardoso Pires passa a ser editado pela Relógio d’Água que à frente tem Francisco Vale, escritor e um homem que há muitos anos tem conseguido edificar um projecto editorial de qualidade.


Disse o editor, à Lusa:

Até meados de junho, a Relógio D’Água vai editar quatro obras de José Cardoso Pires, contribuindo assim para o regresso às livrarias de um dos mais importantes prosadores portugueses do século XX”, disse fonte da editora. “Os livros reproduzem as últimas edições revistas pelo autor”, mas têm novos prefácios: o romance “Balada da praia dos cães” será prefaciado por António Lobo Antunes, a novela “O anjo ancorado”, por Mário de Carvalho e, “O delfim”, por Gonçalo M. Tavares.

Porque isto de editar livros não é para qualquer um.

O editor francês Galimard era de opinião de que o verdadeiro editor é aquele que procura publicar um livro que gostaria de encontrar como leitor.

É uma relação de amor, de gosto, de responsabilidade.

Os livros não são coisas pontuais

A leitura faz de nós melhores pessoas, melhor ainda quando há editores que quando nos apresentam as obras dos autores o fazem em edições bonitas, agradáveis.

Nos inícios dos anos 80, quando Henrique Monteiro assumiu a direcção da Assírio & Alvim, que estava à beira da falência,  disse:

Gosto de pensar que edito livros como quem trata de uma vinha.

Um outro exemplo: 

Em Junho de 2011 o editor José da Cruz Santos começou a disponibilizar novas edições da obra de Eugénio de Andrade.

Aconteceu, porém, que uma gralha caiu no título de uma das obras.

De imediato o editor fez publicar, nos jornais, um pedido de desculpas e de rectificação e assegurava que devolvia o dinheiro, mais os portes, a todos os que não quiserem ficar com o livro.

Estão a ver Miguel Pais do Amaral, corredor de automóveis (correr em Le Mans é o máximo, o prazer de correr é único e sinto-me um privilegiado, disse, um dia, numa entrevista) a ter uma atitude destas?

Claro que não!

No dia 2 de Outubro, José Cardoso Pires faria 90 anos.

Legenda: retrato de José Cardoso Pires por Júlio Pomar e capa de O Anjo Ancorado, publicado pela Relógio D’Água e com prefácio de Mário de Carvalho

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