Não é lamúria, mas ainda não consegui endireirar o
esqueleto.
As ideias andam aos solavancos.
As palavras – as palavras? - recusam-se a dizer seja o
que for, não saem e o que sai não tem qualquer jeito.
Neste baralhar confuso de cartas mais que viciadas, as
leituras também não mostram vislumbres de endireitar o tal esqueleto e a cabeça
que o encima.
Decidi neste dia de chuva – em que estação de caminho
de ferro ficou a Primavera, esperará um recoveiro? – voltar a pegar na
Autobiografia de Woody Allen que foi
lida assim um tanto a correr não sei para onde.
O Luís Miguel Mira já fez por aqui uns apanhados do
livreco, chamando-lhes «Tiradas».
Irei fazer outros apanhados. Repetirei cenas? Admito
que sim, mas…
Será um lugar, talvez de silêncio, perante um
realizador que me habituei a gostar desde o primeiro filme, e ficava sempre à
espera de quando chegava o tempo de novo filme, como em cada Outono esperava pelo
último livro do António Lobo Antunes, até que o desencanto se instalou naquele
lugar de silêncio, talvez de solidão…
Agora nem Allen – virou propagandista turístico – e
Antunes virou um insuportável chato.
«Mas deixem-me voltar aos filmes, a paixão de Rita. Agora lembrem-se,
eu tenho cinco anos, e ela tem dez. Para lá de cobrir as paredes com
fotografias coloridas de todas as estrelas de Hollywood, ela ia frequentemente
ao cinema, o que significava todos os sábados à tarde para a sessão dupla,
normalmente no Midwood, e embora fosse com amigos, levava-me sempre. Eu via
todos os filmes que Hollywood lançava. Todas as grandes produções, todos os
filmes da série B. Eu sabia quem entrava nos filmes, reconhecia-os os
intervenientes mais desconhecidos, os atores secundários, reconhecia as
músicas, pois conhecia todas as músicas mais populares, dado que Rita e eu nos
sentávamos e ouvíamos rádio juntos incessantemente. O Make Believe
Ballroom, Your Hit Parade. Nestes dias, o rádio tocava desde o minuto
em que acordávanos até àquele em que íamos dormir. Música, notícias, e mais
música.»
Woody Allen em A Propósito de Nada
Legenda: Luís Miguel Mira «vendendo» bilhetes a Woody Allen no «Chaplin's World»
1 comentário:
Não será lamúria mas hoje senti-me invadido por uma boa dose de nostalgia...
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