O jazz apenas é. Quem gosta, gosta, e quem não gosta, não gosta.
José
Duarte
A despenalização da morte medicamente assistida foi hoje novamente aprovada na Assembleia da República.
O
diploma segue, pela quarta vez, para as mãos do Presidente da República que
tratará de o enviar para o Tribunal Constitucional que, por sua vez, se inclinará
sobre vírgulas e mais vírgulas do texto.
Assim os que
querem ser donos da sua morte, vão perdendo sucessivas esperanças de que a
eutanásia seja lei.
A rádio está associada à minha vida.
Quando havia programas de autor e a
ditadura das «play-list» não tinha entrado portas adentro.
Nos primeiros meses de 1980, João
David Nunes ainda podia dizer:
«Acho
que alguma da Rádio que já se vai fazendo, neste momento, em Portugal, não nos
deixa muito envergonhados em relação à Rádio que se faz lá fora.»
Há dias, morreu Jaime Fernandes, um
dos homens dessa rádio de autor.
Numa entrevista ao Jornal de Notícias, Janeiro de 2011,
José Duarte falava de um dos seus programas de assinalável êxito na rádio: «A Menina Dança?»
Fui
convidado por Jaime Fernandes. Trabalhávamos na Rádio Comercial. Tinha eu
escrito um texto para "O Jornal" sobre Irving Berlin, grande
compositor norte-americano". Jaime Fernandes gostou e ficou admirado de
meu saber sobre aquela música. Convidou-me para fazer um programa sobre
"standards". Inventei então "a menina dança?" que é um
programa semanal dedicado a grandes nomes vocais da música norte-americana e a
grandes compositores do "American Song Book".»
O texto que se segue julgo pertencer
a uma qualquer crítica ou sinopse do programa:
«Tudo
acontece num salão de uma sociedade recreativa. É um baile ao som de canções.
Como as canções devem ser: cheias de «swing», a puxar o pé para a dança.
Ouvem-se os «crooners» ou - Bing Crosby,
Dean Martin, Tony Bennett – uns mais apaixonados, outros menos, ouvem-se outras
vozes que fizeram as músicas da América. Ouve-se Sinatra e as suas histórias.
Aos domingos à noite, quando a Menina encontra o seu par, são as grandes
orquestras que se vocam, num qualquer baile de despedida; e são as histórias à
margem do tempo que se relatam. O programa realizado por José Duarte podia ser
o cenário para os «Dias da Rádio» de Woody Allen. Mas não é. No que diz
respeito a rádio, vai mais longe.
«A Menina Dança» oferece um dos mais eficazes exercícios do uso da linguagem radiofónica: diálogos a uma voz definem cenários; afastam e atraem. Informam. E fzem com que a menina, de facto, exista. Ela é a personagem que ganha forma, a cada instante. Do desconhecimento da música passa ao espanto; e deste, ao saborear da descoberta. Mas isso não lhe basta: a Menina «trova s voltas», comanda o jogo e, às vezes, transforma num inferno a vida do seu par: a Menina torce um pé, a Menina pinta o cabelo de louro. A Menina é a Gata Borralheira que parte à meia-noite, abandonando o seu par.»
A menina, mais as suas danças, deixaram-nos a 30 de Dezembro de 2012.
Não vivíamos para ouvir rádio. Somente para melhorar essa vida.
Aprende-se vai-se aprendendo.
Balbucia-se, imita-se, copia-se.
O vocabulário vai chegando, a gramática
também.
Com a menina, nas noites de baile da Antena 1, só dançava canções do Sinatra, aquele swing, dito único.
Entendia-o como a sua «alienação favorita», chamava-lhe São Sinatra.
Chegou a escrever:
«São raros se é que existem os ouvintes que sabem ouvir e que não gostam de ouvir Sinatra quer homens até mulheres como se justificarão os escassos contras? Que ele era da Mafia – por ser italo-americano não comento eu nasci no Bairro Alto.»
Lembrando o Zé Duarte, escolha caseira, ficam três canções do Sinatra.
Mas
fica também «The One I Love Belongs To Somebody Else» que José Duarte, numa
carta que possivelmente Sinatra nunca leu, considerou ser esta canção «uma definitiva, perfeita obra-prima.»
Chega-se
quase à idade em que partiremos, e enquanto não chega esse dia, vamos perdendo
os que tanto admiramos e a quem tanto devemos.
Li os
seus livros, ouvia os programas, tanto os de televisão como os de rádio, o
fabuloso «A Menina Dança?»
Conheci
José Duarte em alguns findares de tarde no «British-Bar».
Tem etiqueta
própria aqui no Cais.
Não
consigo dizer muito mais sobre o Zé Duarte.
Passem por lá.
A tua mão conhecia outros gestos, como
contactos
com matérias mais pesadas. Outras
formas
mais duras e elásticas: corpos
atómicos,
em relevo nas margens da luz,
estremecendo
crepitantes.
Manuel Gusmão em Resumo: a poesia em 2013
Shakespeare
Esta
manhã
hoje
é
um nome
Nem
mesmo amanheceu
nem
o sol
a
evoca
Uma
palavra
palavra
só
a
ergue
Com
um nome
amanhece
clareia
Não
do sol
mas
de quem
a
nomeia
Fiama Hasse Pais Brandão
Deixa ficar comigo a madrugada,
para
que a luz do Sol me não constranja.
Numa
taça de sombra estilhaçada,
deita
sumo de lua e de laranja.
Arranja
uma pianola, um disco, um posto,
onde
eu ouça o estertor de uma gaivota…
Crepite,
em derredor, o mar de Agosto…
E
o outro cheiro, o teu, à minha volta!
Depois,
podes partir. Só te aconselho
que
acendas, para tudo ser perfeito,
à
cabeceira a luz do teu joelho,
entre
os lençóis o lume do teu peito…
Podes
partir. De nada mais preciso
para
a minha ilusão do Paraíso.
David Mourão Ferreira
O governo anunciou a lista de produtos que serão abrangidos pela medida do IVA zero. O cabaz foi elaborado entre as listas de alimentos saudáveis e os produtos mais procurados pelos portugueses, explicou António Costa.
A saber:
Cereais e derivados;
tubérculos:
·
Pão;
·
Batata;
·
Massa;
·
Arroz.
Hortícolas
·
Cebola;
·
Tomate;
·
Couve-flor;
·
Alface;
·
Brócolos;
·
Cenoura;
·
Courgette;
·
Alho
francês;
·
Abóbora;
·
Grelos;
·
Couve
portuguesa;
·
Espinafres;
·
Nabo.
Frutas
·
Maçã;
·
Banana;
·
Laranja;
·
Pera
·
Melão.
Leguminosas
·
Feijão
vermelho;
·
Feijão
frade;
·
Grão-de-bico;
·
Ervilhas.
Laticínios
·
Leite de
vaca;
·
Iogurtes;
·
Queijo.
Carne, pescado e ovos
·
Carne de
porco;
·
Frango;
·
Carne de
peru;
·
Carne de
vaca;
·
Bacalhau;
·
Sardinha;
·
Pescada;
·
Carapau;
·
Atum em
conserva;
·
Dourada;
·
Ovos de
galinha.
Gordura e óleos
·
Azeite;
·
Óleos
vegetais;
·
Manteiga.
O Conselho de Ministros aprovou hoje a proposta de lei de redução do
IVA sobre os bens alimentares, anunciou António Costa, que amanhã entrará na Assembleia
da República, que a agendará com a rapidez possível para que discussão dos
deputados determine a sua aprovação e termine na promulgação pelo Presidente da
República.
Quinze dias após a
publicação da lei, o retalho alimentar procederá à redução do preço em
conformidade com a redução do IVA.
No conjunto destas
medidas, entre apoio à produção e perda de receita fiscal fruto do IVA zero,
este programa tem um custo total de cerca de 600 milhões de euros, assinalando
António Costa ser um esforço
obviamente muito grande para um programa que tem um horizonte de seis meses.
Claro que não há milagres, mas esta medida governamental é muito
poucochinho.
Curiosa a tribo que formamos, sós
que somos sempre e à noite pardos,
fuzis os olhos, garras como dardos,
mostrando o nosso assanho mais feroz:
quando me ataca o cio eu toda ardo,
e pelos becos faço eco, a voz
esforço, estico e, como outras de nós,
de susto dobro e fico um leopardo
ou ando nas piscinas a rondar –
e perco o pé com ganas sufocantes
de regressar ao sítio que deixei
julgando ser mais fundo do que antes.
A isto assiste a morte, sem contar
as vidas que levei ou já gastei.
Margarida Vale de Gato
Mas também falava da cara com que não lhe apetecia dizer que não. Porque
alguns amigos ainda tinham menos posses que ele, não tinham quase dinheiro para
comprar comida quanto mais livros. Havia os que estavam nos calabouços salazaristas
da PIDE e necessitavam de livros para ajudarem os dias malditos.
Daí ter encontrado livros, com ficha feita, que não ocupavam as
prateleiras na Biblioteca da Casa, nem qualquer indicação a quem tinham sido
emprestados.
Emprestei livros, uns regressaram, outros não, mas agora o dilema já
não existe, porque sabe-se que 56% dos portugueses não leram um único livro
durante o passado ano.
No entanto aconteceu-me que, quando aqui falei na companhia que faziaao meu avô nos programas televisivos da Maria de Lurdes Modesto, necessitei de
consultar o «Livro de Bem Comer» do José Quitério.
Voltas e mais voltas e do livro nem sombras.
Claro que metade do meu cérebro já não funciona, mas emprestar o livro
do Quitério a quem?
Há dias, fui até à Rua Passos Manuel na expectativa de, na Assírio
& Alvim encontrar por lá algum exemplar. Está esgotado, mas a amável trabalhadora
da livraria, falou-me da existência de uma edição que reunia o «Livro de Bem
Comer» e «Histórias e Curiosidades Gastronómicas».
É este o livro, editado em Maio de 2015 e que já vai em 3ª edição.
Em «Nota Posfacial», José Quitério explica:
«Livro de Bem Comer foi publicado em 1987 e «Histórias e
Curiosidades Gastronómicas» em 1992.
Fizeram sem pressas os seus caminhos e acabaram naturalmente por esgotas.
Durante muito tempo não anuí à sugestão do editor para os reeditar. Com o
passar dos anos e o galopante aumento de interesse por estes temas, fui
admitindo tal possibilidade, sobretudo porque verifiquei que continuavam a ter
serventia, traduzida na muita gente que vinha beber destas águas, bastas vezes
sem citar a fonte. Relidos os textos, também cheguei à conclusão que talvez não
merecessem não ficar sepultados e poderem ser conhecidos pelos interessados da
nova geração.
É assim que, decorridos
respectivamente 28 e 23 anos, surge agora Bem Comer & Curiosidades». Não é uma mera junção dos dois. Foram
retirados todos os textos de cariz estritamente literário-gastronómico, que
entretanto enformara, acrescidos de vários outros, o livro Escritores à
Mesa (e outros artistas), de 2010.
Eliminaram-se alguns, adicionaram-se muitos mais, todos os originais foram
sujeitos a revisão, expurgo e amiúde a ampliação.
Aqui fica. Obra definitiva e
crê-se de registo histórico da cultura gastronómica portuguesa.»
De José Quitério disse José Cardoso Pires que «é um dos nossos prosadores vivos de mais inteligente qualidade»,
enquanto Mário de Carvalho afina pelo mesmo diapasão de Cardoso Pire,s mas
acrescenta «Porventura o maior».
Deliciava-me com as crónicas que durante largos anos: José Quitério
publicou no «Expresso».
A inteligência é sempre um prazer!
Bem Comer & Curiosidades
José Quitério
Capa: O Pássaro e as Sombras,
Fresco, Século I, Pompeia
Sistema Solar, Lisboa, Abril de 2022
Mito celulóidico, fantasma
erótico de várias gerações, mulher fatal e total, Sophia Loren também pratica o
amor com culinária. Em 1968, aproveitando repouso forçado por via de
maternidade intrincada, deu à luz In Cucina com Amore, súmula de recordações e
experiências gastronómicas. Aí enuncia os seus oito mandamento da coacção das
massas. Para que fiquem como devem ficar: al dente, isto é, a oferecerem ainda
resistência à dentadura na altura de serem comidas. Aà dentadura na altura de
serem comidas. A saber:
1º - Cozê-las em
panela grande com muita água.
2º - A água deve ferver em cachão e põe-se-lhe um pouco de sal quando
entra em
ebulição.
3º - Aumentar o fogo no momento em que se põe a massa na água fervente
– diz Sophia que é este o grande segredo napolitano.
4º - Remexer as massas para que fiquem bem separadas umas das outras.
5º - Vigiar a cozedura. Desconfie dos tempos que vêm indicados nas embalagens
Trincar a massa para saber se já está al dente
6º - Antes de retirar a água, pôr na panela um fio de azeite.
7º - Sacudi-las bem no passador para que a água escorra toda.
Já está como ensinas, Sophia. Só falta o amore…
Essa voz que deixei perder
já não me procura;
e nada será jamais
tão simples e singular
como aquela voz modulada
e firme na sua insegurança,
tão indefesa como estar vivo.
Porque falo nisto agora?
Desista de me ler
quem busca um fio coerente,
uma afirmação rotunda
e concisa. Não tenho loja
com essa mercadoria.
Nem com mais nenhuma.
Procuro apenas o som nítido de uma voz,
entre todas as coisas que deixei perder.
Procuro.
Luís Filipe Castro Mendes
Aquele poema de Vivicius de Moarais «Se todos no mundo fossem iguais a você».
Na
despedida de Rui Nabeiro ficar a pensar como
seria este país se todos fossemos como o Sr. Rui.
Na
onda de textos e afirmações sobre a sua morte, apanhei este de Vitor Serpa no
jornal «A Bola»:
«Julgo que a primeira vez que me
encontrei com o comendador Rui Nabeiro foi na viagem do Benfica para Estugarda,
para jogar a final dos Campeões Europeus com o PSV, em maio de 1988. Nesse
tempo, os jornalistas viajavam nos aviões e nos autocarros com os jogadores e
com toda a comitiva que, incluía, em todos os clubes, convidados especiais,
desde empresários a juízes de direito. Rui Nabeiro tinha aceite o convite do
Benfica, clube de que era adepto, e, ainda durante o voo para a Alemanha,
ofereceu a cada senhora, que viajava no avião, um grão de café em ouro.
Sorte da família de Eusébio, porque ia a Flora e as duas filhas…Mais tarde, dez anos depois, tive o prazer de partilhar a mesma mesa, no jantar oficial de inauguração da Expo de Lisboa. Foi um momento propício para uma conversa mais longa e animada, que marcou o início de uma amizade, que se manteve pelo tempo fora.
De uma simpatia encantadora, uma humildade genuína e não fabricada para efeitos de marketing, uma permanente preocupação com as pessoas e com o desenvolvimento do Alentejo, Rui Nabeiro tratava-me sempre da mesma forma: «Amigo Vítor«, antes e depois de eu ter assumido o cargo de diretor de A BOLA.
Juntámos famílias em encontros memoráveis, um deles, num jantar em sua casa de Campo Maior, num convívio sempre saudável e nunca marcado por segundos interesses. Quando o Campomaiorense chegou à primeira divisão, foi um motivo de especial alegria para Rui Nabeiro. Deixou o seu filho, João, na condução do clube, mantendo, como fazia em todos os seus setores de atividade, um controlo sobre os princípios e os resultados.
Em breve, ficaria profundamente desanimado com o futebol português e muitas vezes me confessou que não entendia, nem como empresário, nem como cidadão, nem, mesmo, como adepto de futebol, como era possível que os responsáveis pela competição profissional no futebol português permitissem e quase promovessem a mentira e a total ausência de compromisso com a verdade desportiva, deixando passar sem punição os clubes que contratavam jogadores e não lhes pagavam, o que contribuía para terem melhores equipas do que o Campomaiorense, que cumpria religiosamente todos os seus compromissos com jogadores e treinadores.
Quando o Campomaiorense desceu de divisão, fortemente prejudicado pela sua condição de cumpridor dos acordos firmados com os seus profissionais, Rui Nabeiro deixou de pensar no sonho de manter, até em condições de candidatura a uma competição europeia, uma equipa de futebol profissional no Alentejo. De facto, Rui Nabeiro era grande de mais para esse futebol…»
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina
Ke Huy Quan, vencedor
do Óscar de melhor actor secundário, no filme Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo
Tempo.
Na Travessa do
Possolo, Maria acorda Aníbal.
- Já é dia de pontapeares o Costa.
- Ah!, é verdade!...
Então, entre outras, pontapeou:
«A crise habitacional que se vive no país é o resultado do falhanço da política
do Governo no domínio da habitação nos últimos sete anos, com custos sociais
elevados para muitos milhares de famílias.»
No café do bairro, lembraram que a múmia de Belém, mandou liquidar a frota pesqueira, destruiu a agricultura, desindustralizou o país.
Na Gare Marítima de
Alcântara, até ao dia 31 de Março, está patente uma exposição que lembra que o
Barreiro foi uma enorme concentração industrial portuguesa chamada CUf,
responsabilidade de Alfredo da Silva.
«Trabalho sem
descansar. Trato da minha vida, ocupo-me da vida dos outros. Esforço-me por que
não paralisem as fábricas que dirijo.
Nunca aos meus
operários faltou pão e trabalho.»
Desabafo de Alfredo da Silva ao ser perseguido durante a revolução de 19 de Outubro de 1921.
José Pacheco Pereira, no dia 11 de Março, escreve no Público um muito interessante artigo sobre esta exposição na Gare
Marítima de Alcantara e começa por citar uma frase L.P. Hartley:
«O passado é um país estrangeiro: lá as coisasa são feitas de maneira diferente.»
Um passo do artigo de Pacheco Pereira:
«Este mundo é o do “passado” de Hartley, que está longe mas também nos “fez”. Podemos não ter a memória do que era a serapilheira, não saber o que é o esperanto, muito menos falá-lo, nunca ter respirado o ar junto da Rua do Ácido Sulfúrico, não saber porque é que um esquadrão permanente a cavalo da GNR fazia parte das “forças de segurança” do Barreiro, porque é que há tantos bons jogadores de xadrez na cidade, ou como era descer ao fundo do rio Tejo num escafandro que nem sequer era impermeável para salvar um batelão, desconhecer o que era uma “muleta” que não era para quem coxeava, ter uma ideia do mundo fervilhante do rio, fragatas e fragateiros, estivadores e pescadores, conhecer a tentativa dos “padres operários” para assegurar uma melhor vida para os seus fiéis e “infiéis”, ou saber quanto custava a uma família da outra margem tirar os vários bilhetes para irem visitar um pai ou um irmão na Cadeia do Forte de Peniche. Tudo isto é o Portugal real e está nos arquivos do Barreiro e em nenhum outro lado.
1.
Segundo a ASAE, a
margem de lucro dos retalhistas chega a 50 por cento em produtos alimentares essenciais e essa é a
razão porque cebolas, cenouras, ovos se situam, hoje, nos produtos alimentares
de luxo.
Segundo a DECO três
quartos das famílias portuguesas enfrentam mensalmente dificuldades
financeiras.
Portugal é um dos países da União Europeia onde o preço dos ovos mais subiu; segundo a DECO três quartos das famílias portuguesas enfrentam mensalmente dificuldades financeiras.
Francisco Louçã
defende que, «depois de um ano como este,
um Governo como este não governa até 2026»,considerando que houve pessoas que
«foram enganadas» com a promessa da
estabilidade da maioria absoluta.
2.
Enquanto decorre uma
guerra que nos garantem ser feita em nome da democracia e para salvar a
democracia, e que, talvez, a paz possa acontecer em 2025 – sérias dúvidas! – a
senhora Lagarde sobe juros, aumentando em meio ponto percentual o custo do
dinheiro, apesar da crise bancária que se anuncia.
3.
Os bispos portugueses
andam pelas sacristias aos papéis sobre os crimes praticados por membros da
Igreja que sempre tentaram ocultar.
Laborinho Lúcio, Juiz
conselheiro jubilado, ex-ministro da Justiça:
«Há pelo menos duas posições na Igreja, uma ultra conservadora, reacionária, completamente fechada às vítimas e ao seu sofrimento. E há a posição de abertura que é a do Papa Francisco, do Evangelho, a do respeito pelas vítimas, de apoio ao seu sofrimento, da tal "tolerância zero". Estas duas posições são inconciliáveis, qualquer tentativa de reconciliação favorece a primeira e, provavelmente, foi o que aconteceu.»
4.
Parte do governo de
António Costa mudar-se-á para o edifício da sede da Caixa Geral de Depósitos até
2026 e a mudança custará cerca de 40 milhões de euros.
5.
«O almirante Gouveia e Melo. Esteve bem na defesa da disciplina, que,
como afirmou, é a cola que garante a coesão das Forças Armadas. Mas falhou
redondamente no outro mandamento: a reserva. A instituição militar não pode,
nem deve, expor os seus problemas na praça pública e em tempo real. A discrição
e a sobriedade são regras de ouro no exercício dos mais altos cargos da
hierarquia militar. Ora, o chefe de Estado-Maior da Armada sabe bem que a
reprimenda que deu à tripulação, do alto de um púlpito montado na coberta do
navio, foi um ato intencionalmente público, que teria repercussão na
comunicação social. Por isso, é legítima a suspeita de que o momento foi
aproveitado para a sua promoção pessoal, no quadro duma mal disfarçada ambição
política a caminho de Belém. Terceiro tiro no porta-aviões.»
José Mendes no Diário de Notícias
O meu avô que adorava a chegada da Primavera, tinha
aquela sua filosofia que a chegada da Primavera começava a notar-se nos
vestidos frescos e curtos das mulheres.
O governo de António Costa está repleto de eminências pardas, alguns constituem um evidente erro de casting. António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, é um desses casos.
Há dias afirmou:
«Infelizmente vivemos num país que, por
motivos ideológicos, continua a hostilizar as empresas, em particular as
grandes empresas. Continua a considerar o lucro um pecado e nós temos de
combater esses preconceitos.»
Sobrevivemos à guerra - sobrevivemos à paz:
volta e meia acreditávamos que os períodos passados
nunca mais se repetiriam
e de facto, nunca se repetiam
(mas seguiam-se um após outro),
a infância se foi para sempre,
não quis voltar a juventude perdida
e ninguém prestou contas
do nosso tempo desperdiçado.
Faltava-nos fé
e por isso acreditávamos em qualquer coisa
em qualquer luta falsa,
mas não em luta solitária, porque cada um de nós
que a arriscou
teve de lutar contra as sombras de ferro,
contra o algodão de ferro que o cercava,
impedia de respirar, expunha ao ridículo;
era cada vez mais difícil se mover,
o algodão das verdades mentirosas tapava nossos ouvidos,
até as pequenas esperanças tornavam-se difíceis
de se concretizar
e quanto mais depressa podíamos vencer grandes distâncias,
tanto mais tempo era preciso para o entendimento mútuo,
quanto mais longe nos aventurávamos no futuro,
tanto mais se alongava a distância de coração a coração,
quanto mais sabíamos da vida dos outros,
vivos, mortos e a nascer,
tanto menos conhecíamos a nós próprios;
meios de espasmo de massa
nos acostumavam sem dor às tragédias do mundo contemporâneo,
ainda éramos capazes de cuidar
das nossas flores e animais domésticos,
mas temíamos até pensar que os pequenos países
são polígonos de experiência das grandes potências;
votávamos - em silêncio,
só manifestávamos nossa presença
quando nossos amadores ganhavam dos profissionais,
e então os arranha-céus tremiam com o grito:
transformavam-se em altíssimas barricadas,
que ninguém atacava,
pois há muito tinham sido conquistadas.
José Luís Peixoto em Almoço de Domingo
Orgulhosamente declarou um dia: «Hei-de ser um rico diferente dos que há por
aí.»
É bem verdade!
Será um desfastio, e a
palavra é leve, assistir agora ao desfile, das declarações, sobre Rui Nabeiro,
que a clique de «empresários» irá
bolsar.
Gente que aos calcanhares
de Nabeiro nem sequer chega, pois é enorme o despudor, porque apenas olha as
suas barrigas, ao mesmo tempo que agravam, as já de si miseráveis, condições de
vida dos trabalhadores.
Só sei de uma maneira
de beber gin. A receita clássica, ou seja:
Gelo, rodela de limão de casca amarela, aprisionada entre
os cubos de gelo, gin e água tónica, de preferência Schweppes que,
lamentavelmente, por estes sítios não tem quinino, apenas essência.
Num jantar familiar impingiram-me gin num enorme balão.
Não armei um enorme pé-de-vento que noutros tempos teria
saído.
Mas já estou velho!...
Simpaticamente apenas perguntei o que é que estava junto
com o gin. Disseram-me que era zimbro, cardamomo, pimenta cubeba, pimenta rosa,
pimenta sichuan, anis
estrelado.
Sorri e lembrei-me do Mário-Henrique Leiria, o escritor que bebia Gin.
E obrigatoriamente lembrar que o Público, na sua «colecção composta
de 10 obras de grandes autores, raras ou descontinuadas nas editoras, que foram
escolhidas pelos leitores, através de votação, a partir de 188 títulos sugeridos»,
publicou, no dia 4 de Março, como primeiro volume os Contos do Gin-Tonic do Mário-Henrique Leiria.
Comprem, leiam esta autêntica maravilha.
Também uma velha história: o meu avô, nos jantares de domingo, uma vez por mês, o dinheiro era muito curto, comia-se galinha assada no forno, no final bebia uma gotinha de Genebra.
A garrafa durava uma eternidade e, depois de vazia, servia de botija para as noites de Inverno.
Mário-Henrique Leiria em Depoimentos Escritos
Legenda: Documentos de identidade de
Mário-Henrique Leiria, retiradas do Público,
30 de Dezembro de 2022.
Gosto de pessoas que não escondem as
suas fragilidades. Não precisam de usá-las na lapela do casaco, é claro, mas
que não as escondam se calharem em conversa. Fobias, egoísmos, incompetências,
doenças psiquiátricas, mendicidades, etc., são o melhor que temos para nos dar.
Porque o mais é falso ou não é particularmente nosso. O Pierce Brosnan e a Tyra
Banks não existem; a nouvelle
cuisine é uma cagada; o Fernando Mendes e o peixe frito são mesmo
muito bons. Sou muito melhor escritor do que o Hemingway. Quase toda a gente é
muito melhor escritor do que o Hemingway. Não percam tempo com o Hemingway se
tiverem uma bola, alguns amigos e um jardim onde jogarem. Não percam uma
oportunidade de suar. O suor é sempre bom, a menos que se sue por dinheiro.
Fumem. Fumem muito. Os dentes castanhos são melhores do que os brancos. Melhor
do que os dentes castanhos só não ter dentes nenhuns mas ter quem nos corte
maçãs e queijo da ilha aos bocados pequeninos. Que se foda o Hemingway.
Miguel Martins em Resumo: a poesia em 2011