Este calor de ananases anda a dar cabo de mim. Vingo-me em leituras frescas como esta crónica do Manuel S. Fonseca que roubo do seu blogue.
Também estive naquela mão do Vata, entalado no meio de
120 mil benfiquistas, mesmo no lado norte, no enfiamento da baliza, e juro que
não vi mão nenhuma e não vi por circunstâncias várias.
O Vata também não, e até morrer dirá que não houve mão
nenhuma, Talvez um ombro… «e cada um é
livre de pensar o que quiser…»
«O Valdo
cobrou um canto, o Magnusson saltou à minha frente e desviou de cabeça na área
e a bola veio ter na minha direção. Meti o ombro e foi golo.»
O Manuel S. Fonseca coloca uma imagem da mão do
Maradona, eu coloco uma imagem da mão do Vata, exactamente no dia em que ali
atrás declaro que irei comprar a «Vida de
Beethoven» da «Guerra & Paz», editora de que é proprietário este mesmo
Manuel S. Fonseca.
Saravá!
«Houve uma guerra, é bom que se diga. Eu
vou, é certo, falar de paz, da paz gritada, apupada, esfusiante e delirante,
que é um jogo de futebol. Não posso é esconder que houve antes uma guerra e que
as tropas inglesas da democrática Senhora Tatcher tinham agarrado pelos
colarinhos e humilhado as tropas do ditador argentino, o general Videla.
A guerra fora nas Maldivas, mas estava-se
agora no Estádio Azteca. O nome do estádio já provoca uma aflição
kirkegaardiana: a angústia dos ecos ancestrais do choque de índios e
conquistadores ressoava ainda em cada pedra do estádio. E estarem frente a
frente, nessa final do Mundial de 1986, no quente mês de Junho, as equipas da
Inglaterra e da Argentina, deixa cair sobre esse confronto um épico pingo de
“capsaicina”, a substância activa “del chile”, o picante que faz arder “las
carnitas” e “los tacos” mexicanos.
No Estádio Azteca, eram duas civilizações
que estavam frente a frente. E lembrem-se, o próprio esférico, uma estreia, era
uma bola novinha em folha, igualmente chamada Azteca, o nome a acordar os
demónios do passado, mas na forma um exemplo de revolução tecnológica, a
primeira bola de futebol a dispensar o couro, toda em adricron, um revestimento
sintético impermeável, trinta e duas faces hexagonais elegantes, e de uma
inquebrantável longevidade. O horror que foi jogar anos com bolas de catechu, a
que uma boa chuvada acrescentava meia tonelada: eis o que afogou o mínimo
Eusébio que havia em mim, a encharcada e incirculante bola de catechu.
Adiante e vejam, é a nova bola
revolucionária que circula entre Shilton e Lineker, entre Valdano e o pequeno
deus chamado Diego Maradona. Durante 45 minutos, esses dois mundos ressentidos,
a nórdica rosa dos Tudor e o azul ultramarino das pampas, mediram-se, sem se
ferir. Mas aos seis minutos da segunda parte, o defesa Steve Hodge tenta
aliviar a pressão sobre a sua área: a mal pontapeada bola ganha efeito e cruza
a área, Shilton, o guarda-redes, salta com Maradona. O punho de Shilton vai lá
acima, a 200 metros de altura, mas o pequeno Maradona, num exercício de
prestidigitação, voa 201 metros e a sua cabeça desvia a bola para o fundo das
redes. E há aqui um grande imbróglio teológico-anatómico: a cabeça de Maradona
ali, a 201 metros de altura, tão perto do céu, foi roubada por um Deus
omni-invejoso. Deus, sentindo o homérico jogo de futebol a roçar-lhe os
berlindes, quis também jogar e pôs a sua mão onde devia estar a cabeça
prodigiosa de Dieguito. Diga-se, àquela bola, toda feita do leve adricron,
bastaria, se Deus quisesse, um simples sopro, mas quem não quereria, em 1986,
mesmo Deus, sopesar na própria mão a leveza desse revestimento sintético, o
poliuretano, à prova de água.
Essa bola, a Azteca do Estádio Azteca de
1986, esteve, até ao ano passado, nas mãos do árbitro tunisino, Ali Bin Nasser,
que Deus iludiu naquela jogada disputada nas nuvens. Quis agora o árbitro,
sufocado pela insidiosa presença de Deus, descarregar a temível sombra sobre a
humanidade. Num leilão, alguém pagou 2,4 milhões de dólares para ter em casa a
bola que a mão de Deus tocou. Já pela camisola de Maradona, que ele, no fim do
jogo, dera a Hodge, o inglês que fez o involuntário centro, em leilão alguém
ofereceu e pagou mais de 9 milhões, a mais cara camisola de futebol de sempre.
Onde está, pergunto eu, a bola que a mão de
Vata meteu na baliza do Olympique de Marseille, no jogo que estes meus olhos
viram e que levou o Benfica à final da Liga dos Campeões? O que eu não pagaria
por ela em leilão!»
Manuel S.
Fonseca em A Página Negra
3 comentários:
Com batota uns aumentam os currículos outros veem-nos diminuídos.
Poucos sportinguistas apagaram da memória o fatídico embate com o Paços de Ferreira na noite de 16 de Setembro de 2006. Em cima do intervalo, um golo do avançado brasileiro Ronny (do Paços) , visivelmente com a mão, escandalizou as bancadas de Alvalade roubando-nos um título.
E deste modo (com batota) uns somam X outros somam menos X.
Portanto, Maradona, Vata e Ronny são 3 batoteiros!!!!
Poderíamos concluir, caro Seve, que todo o futebol é uma batota.
O poeta Carlos Drummond de Andrade gostava de futebol, respirava futebol e só quem assim gosta de futebol, poderia dizer: «Bem aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranquilidade.»
É verdade Sammy!
Estou absolutamente de acordo, mas o nosso gosto pelo jogo (e sobretudo pelo nosso clube) torna-nos, às vezes, cegos, surdos e mudos.
Já John Lennon dizia (transportando o pensamento para o futebol) "a ignorância é uma benção".
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