Hoje, dia de me concretizar na corda tensa
do animal com cio que resuma
a minha Eva quebrada ao espelho da evidencia
de para além do espelho não haver Eva nenhuma;
hoje dia de escrever uma carta como um suicida
que por sê-lo de facto nunca se chega a matar
e lê-la depois como uma novela muito aborrecida
onde ninguém tem uma razão para se suicidar;
hoje, dia de esclarecer este inútil mistério
duma personalidade com a polícia à vista,
deixando como um cartão-de-visita em qualquer ministério
a bomba da minha humanidade poética anarquista;
hoje, dia da tua morte, sejas tu quem fores
que morreste para que da guerra anónima que travámos
ficasse como um arco-íris das nossas sete dores
este poema, onda em que abraçados naufragámos;
hoje, dia da Maria da Estrela ter toda a razão
quando me contava que havia uma ilha como um girassol
que as feiticeiras faziam girar como um pião
debaixo do mar em que eu me enrolava como num lençol;
hoje, dia de haver revolução
e todos em casa à espera da primeira granada
que transformasse este está para ser uma grande nação
no herói que não quer ser nação nem ser nada;
hoje, dia de mudar de raça – trocar a branca pela violeta?
e sabendo o que sei de mim sendo doutra cor
seres príncipe que não importa de que planeta
traz ao círculo da minha insónia a quadratura do teu amor.
Natália Correia em As Maçãs de Orestes
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