quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

SARAMAGUEANDO



Esta é a Europa onde nos meteram.

Ninguém nos perguntou nada, nem nos preocupámos com isso.

Disseram que iam desaguar rios de dinheiro.

Assim aconteceu.

Poucos pensaram que não há almoços grátis.

Esses poucos já sabiam que o despertar ia ser atroz.

José Saramago foi um deles.

Fui respigar alguma coisa, do muito que ele disse, sobre a nossa adesão à União Europeia. 

Entrada do dia 20 de Fevereiro de 1995 em Cadernos de Lanzarote, Vol. III:

Sou um europeu que aprendeu tudo do seu cepticismo com uma professora chamada Europa. Não falando do “ressentimento histórico”, a que sou especialmente sensível, mas que, de todo o modo, é ultrapassável, rejeito a denominada “construção europeia” por aquilo que vejo estar a ser a constituição premeditada de um novo “sacro império germânico”, com objectivos hegemónicos que só nos parecem diferentes dos do passado porque tiveram a habilidade de apresentar-se disfarçados sob roupagens e uma falsa consensualidade que finge ignorar as contradições subjacentes, as que constituem, queiramo-lo ou não, a trama em que se moveram e continuam a mover-se as raízes históricas das diversas nações da Europa.

Entrada do dia 21 de Fevereiro de 1995 em Cadernos de Lanzarote, Vol. III:

Se a União Europeia fosse o que diz ser, nenhum dos países que a integram teria de temer a sombra de um vizinho economicamente mais poderoso, uma vez que as estruturas comunitárias lá estariam para velar pelo equilíbrio geral e resolver as tensões locais.

No dia 1 de Março de 1994, José Saramago recebeu, em Lanzarote, a visita de Mário Soares, deste modo referida nos Cadernos Lanzarote, Vol. II:

Tive a melancólica satisfação de ouvir dizer a Mário Soares, que partilha hoje de algumas das minhas reservas, antigas e recentes: “Que será de Portugal quando acabarem os subsídios?”, foi sua a pergunta, não minha. Aproveitei a ocasião e permiti-me substituir a pergunta por outras mais inquietantes: “Para que serve então um país que depende de tudo e de todos? Como pode um povo viver sem uma ideia de futuro que lhe seja própria? Quem manda realmente em Portugal?” Não tive respostas, mas também não contava com elas.

Entrada a 2 de Agosto de 1997 nos Cadernos de Lanzarote, Vol. V:

Perguntaram-me pela Europa e eu respondi-lhes que a União Europeia não passa de um império económico, e que não gosto de impérios, em particular se se excluem as ideologias políticas ou as reduzem a meras etiquetas sem valor.

Amanhã, continuarei as palavras de José Saramago sobre a União Europeia, que ele considera uma nova forma de colonialismo, em que a política limita-se a gerir o trânsito e a arrumar os carros dos senhores da economia.

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