Há essa batida vulgaridade do filme a levar para a tal ilha deserta, há a vontade de, por uma vez, dizer que, se Joseph L. Mankiewicz não tivesse realizado outros grandes filmes, The Ghost and Mrs. Muir era suficiente para o lugar de honra que ocupa na História do Cinema.
Trivialidades parvas mas é o que sinto em relação a este espantoso filme, realizado em 1947, tinha eu 2 anos, que já vi um milhão de vezes – e continuo a pensar que não são suficientes.
A primeira vez que vi o filme, e não lembro com que idade isso aconteceu, mas já tinha passado o tempo dos primeiros amores, fiquei marcado aos primeiros minutos do correr da fita, assim um tanto ou quanto para não saber o que dizer, ainda hoje não sei, nem nunca saberei.
Cada vez que dele vejo uma referência, cada vez que o revejo, há sempre uma imensa nostalgia a mexer nos coios da melancolia, assomos da mais bela e esplêndida mentira, quando Lucy Muir, esplendorosa Gene Tierney, nos diz:
Pode parecer estranho, mas por vezes há um maior sentimento de solidão na companhia de outras pessoas, mesmo se as amarmos, do que se vivermos sós.
Numa crítica ao filme, agora não encontro o recorte mas penso ser de Rui Luís Pina, a abrir, pode ler-se:
Será possível amar-se alguém que não existe?
Quando um dia li o que João Bénard da Costa escrevera sobre o filme, dei comigo a descobrir coisas em que não tinha reparado e que redundaram, para os meus sentidos, em pérolas apaixonantes, e tenho como certo que, a cada novo visionamento, a aventura se repetirá.
O texto foi inicialmente publicado no semanário O Independente, as crónicas do João Bénard da Costa eram motivo único para comprar o pasquim, e mais tarde foi incluído no 2º volume de Os Filmes da Minha Vida, cuja transcrição ocorre no post seguinte.
Nas Obras Completas de João Bénard da Costa, em publicação pela Assírio &Alvim, no 2º volume de Crónicas: Imagens Proféticas e Outras, o texto do filme é repetido,
mas é precedido de uma deliciosa nota do autor .
Em 1979 João Bénard da Costa organizou para a Fundação Calouste Gulbenkian um Ciclo sobre cinema americano dos anos 40, e pediu a Mary Meerson, uma mulher de mil cinematecas, Bénard diz que a ela deve o seu nome como programado, que o ajudasse a arranjar filmes e uns cartazes para que pudesse organizar uma exposição paralela.
Assim diz João Bénard:
Assim diz João Bénard:
«Ela enviou-me os originais de The Grapes of Wrath, de John Ford, e de The Gost and Mrs. Muir, de Joseph L. Mankiewicz. São cartazes enormes e vinham montados em diversos rolos, para depois se colarem e se pendurarem nas fachadas do cinema, como nos anos 40 se usava. Mandei-os para o serviço de exposições da Gulbenkian, que pouco habituado àquele género de materiais, os montou, sim, mas os colou em enormes e pesadíssimos contraplacados de madeira. Quando assim os vi, caiu-me a alma aos pés. Como é que eu ia devolver aqueles “monstros”? Descolar os cartazes nem pensar, que ficavam em fanicos. Reenviá-los para Paris só em camião especial e por uma fortuna. Telefonei-lhe a contar o sucedido e ela respondeu-me, com a maior naturalidade do mundo: “Guarde-os. Pode ser que lhe sejam úteis."»
Enquanto permaneceu na Gulbenkian, de 1979 a 1981, os cartazes estiveram no seu gabinete, e bem à sua frente colocou o cartaz de The Ghost and Mrs Muir da Gulbenkian.
Regresso à narrativa de João Bénard:
«Em 91, trouxe os cartazes para a Cinemateca. Hoje o das Vinhas da Ira anda por lá. No meu gabinete, em frente à minha mesa só o do Fantasma. Vinte e seis anos (1979-2005) a viver com ele e com Mrs. Muir. Muir dele é muito tempo. Mais do que umas bodas de prata. Mas a profecia de Mary Meerson cumpriu-se. Também foi para isso que ela mos mandou.»
Correndo o risco de dizerem que os nossos posts são enormes, não há pachorra para os ler, publica-se mais à frente o texto sobre o filme.
É também a homenagem a um homem, felizmente controverso, e a quem os cinéfilos portugueses, por mim falo, muito devem.
Mas, por favor, na terça-feira, não percam o filme, porque é na sala escura de um cinema, que os filmes atingem toda a grandiosidade.
Não esqueçam nunca, que a cultura é sempre um prazer.
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