No livro Os Cães Ladram, Truman Capote
pronuncia-se sobre Bob Dylan:
Um
músico sofisticado (?), um aldrabão que se faz passar por um revolucionário de
bom coração (?), mas que não passa de um campónio sentimental.
Claro que Truman Capote não é flor que se cheire e
há que lhe dar os óbvios descontos.
Lembro-me de uma conversa, nos idos de 67, com um
dos colaboradores do Em Órbita, falha-me, agora, o nome, quando,
a determinada altura, disse de Dylan: é um narcisista convicto, um genial cabotino,
no sentido intelectual do termo.
Fiquei, assim meio aparvalhado, a olhar para ele, manifestei-lhe
o meu desacordo e acrescentei que a definição ainda poderia ser entendida por
gente que lesse ou ouvisse Dylan aprofundadamente, mas não pelo vulgar ouvinte.
O meu interlocutor viu, de repente, que não valia
buscar outros argumentos, perder mais tempo com o ceguinho que eu,
orgulhosamente, era por Dylan.
Mas ele sabia, porque lia e ouvia Dylan atentamente,
que chegariam os tempos dos órfãos de Mr. Zimmerman.
A
minha música é como uma mágica. Quando a interpreto, eu e ela isolamo-nos do
mundo, e vivemos os dois num planeta diferente. Há quem me chame revolatado,
mas a revolta que existe em mim é contra a violência da nossa época, é contra o
egoísmo que faz os homens esquecerem-se dos outros para pensarem apenas em si.
Esta é a minha revolta, este é o grito da minha música.
Em 1969, no Estúdio do Cinema Império vi Don’t Look Back de D.A. Pennebaker, a
discussão sobre o cinema-verdade, o perceber de um Dylan cínico, pleno de
contrastes.
O tempo do desencanto.
Manuel António Pina para aqui chamado:
O
café agora é um banco, tu professora de liceu; Bob Dylan encheu-se de dinheiro,
o Che morreu. Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes, e não caminhos
para andar como dantes.
Tentamos não dar por isso, mas é assim que
envelhecemos.
Depois de se separar de Joan Baez, Dylan abandonou a
luta política.
A
palavra mensagem é triste, triste como uma hérnia.
Ninguém
gosta de ser definido por aquilo que os outros pensam.
Queria
ter uma vida normal e poder levar os filhos à escola.
No filme de Martin Scorcese, No Direction Home,
podemos ver a maneira como Dylan, trata Joan Baez e, ao mesmo tempo, ver a
maneira doce, delicada, compreensiva, apaixonada, como ela continua a falar de
Dylan:
Ele
é o ser humano mais complexo que conheci. Eu pensei que seria capaz de entendê-lo.
Desisti. Tudo o que sei é o que ele nos deu.
Quando em 2006 a Relógio D’Água começou a
publicar as Canções de Bob Dylan, ainda estive com o livro na mão, mas o
preço, qualquer coisa como 25,00 euros, terá sido a desculpa para não comprar o
livro. Os meus orçamentos para a cultura sempre andaram por baixo mas havia
espaço para excessos. Naquele dia nada disso aconteceu.
Mas este ano, na Feira do Livro, as Canções
do Bob Dylan estavam no pavilhão da Relógio D’Água a um preço
irrecusável: 20 euros pelos dois volumes.
Não foi o tempo de olhar para trás.
Vieram logo para casa.
E pelos bons velhos tempos, pelos mesmos tempos de
sempre, Dylan passará a ser visita regular do Cais do Olhar.
Porque, para além de tudo o mais, existe uma verdade
inquestionável: Bob Dylan fez das mais belas canções da história da música,
histórias de cantar e ouvir, fez com que muitos passassem a olhar, de um outro
modo, os tempos que se exigia que mudassem.
Será um tempo de lembrar poemas para os que
acreditam que os ventos estão sempre a mudar.
Ou deveriam estar sempre a mudar.
No fundo dos fundos, mesmo que ele diga o contrário,
Bob Dylan foi porta-voz de uma geração.
Deus
sabe que há um céu
Deus
sabe que está longe da vista
Deus
sabe que podemos fazer todo o caminho daqui lá
Ainda
que seja preciso andar um milhão de milhas à luz da vela.
Nota do editor: o título é roubado a uma crónica que José Cardoso Pires publicou no Diário Popular de 30 de Março de 1967.
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