…de um prédio no Largo de São Carlos, nascia
Fernando Pessoa.
Em seu nome, mandou Álvaro de Campos dizer que no
tempo em que festejavam o dia dos seus anos era feliz e ninguém estava morto.
Em 14 de Março de 1916 escrevia uma carta a Mário Sá-Carneiro, e fechava-a deste modo:
Isto
não é a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao que se sofre, não muito
diferente destes.
De
que cor será sentir?
Num livro saramaguiano apanhamo-lo à conversa com
Ricardo Reis, que se assustara quando ouviu bater à porta:
…
não me lembrei que pudesse ser você, mas não estava com medo, era a apenas a
solidão, Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso
é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não
sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de
nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a
distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz, Você está a
tresvariar, tudo quanto menciona está
ligado entre si, aí não há nenhuma solidão, Deixemos a árvore, olhe para dentro
de si e veja a solidão, Como disse o outro, solitário anda toda a gente, Pior
do que isso, solitário andar por entre a agente, solitário estar onde nem nós
próprios estamos…
O outro, disse-lhe então que ele estava de péssimo humor
e como, realmente, ele tem os seus dias, convocou de novo Álvaro de Campos e
pediu-lhe que escrevesse Adiamento:
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não,
não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O
porvir...
Sim, o porvir...
Sim, o porvir...
Legenda: Fernando Pessoa, aos 8 anos, vestido de marinheiro.
Fotografia tirada do livro Fernando Pessoa de António Quadros, Editora Arcádia, Lisboa Novembro de 1960.
2 comentários:
sou um analfabeto! no meu tempo não se estudava fernando pessoa! ganhei aversão à poesia por causa de "os lusíadas" que era obrigado a saber de cor. até hoje! e quanto a fernando pessoa... até é melhor nem falar...
LPA
Pelo menos, no 1º ou 2º ciclo, já não lembro bem, impingiram-te a "Mensagem" que foi o que me aconteceu.
Não ganhei aversão mas não me entusiasmou mesmo nada.
Há uns 20 anos peguei no Álvaro de Campos e verifiquei que andara a ser um pretensioso da treta.
Passei a olhar Fernando Pessoa com outros olhos.
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