quinta-feira, 13 de junho de 2013

NO 4º ANDAR...


…de um prédio no Largo de São Carlos, nascia Fernando Pessoa.

Em seu nome, mandou Álvaro de Campos dizer que no tempo em que festejavam o dia dos seus anos era feliz e ninguém estava morto.

Em 14 de Março de 1916 escrevia uma carta a Mário Sá-Carneiro, e fechava-a deste modo:

Isto não é a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao que se sofre, não muito diferente destes.
De que cor será sentir?

Num livro saramaguiano apanhamo-lo à conversa com Ricardo Reis, que se assustara quando ouviu bater à porta:

… não me lembrei que pudesse ser você, mas não estava com medo, era a apenas a solidão, Ora, a solidão, ainda vai ter de aprender muito para saber o que isso é, Sempre vivi só, Também eu, mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz, Você está a tresvariar, tudo  quanto menciona está ligado entre si, aí não há nenhuma solidão, Deixemos a árvore, olhe para dentro de si e veja a solidão, Como disse o outro, solitário anda toda a gente, Pior do que isso, solitário andar por entre a agente, solitário estar onde nem nós próprios estamos…

O outro, disse-lhe então que ele estava de péssimo humor e como, realmente, ele tem os seus dias, convocou de novo Álvaro de Campos e pediu-lhe que escrevesse Adiamento:

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...


O porvir...
Sim, o porvir...

Legenda: Fernando Pessoa, aos 8 anos, vestido de marinheiro.
Fotografia tirada do livro Fernando Pessoa de António Quadros, Editora Arcádia, Lisboa Novembro de 1960.

2 comentários:

ié-ié disse...

sou um analfabeto! no meu tempo não se estudava fernando pessoa! ganhei aversão à poesia por causa de "os lusíadas" que era obrigado a saber de cor. até hoje! e quanto a fernando pessoa... até é melhor nem falar...

LPA

sammyopaquete disse...

Pelo menos, no 1º ou 2º ciclo, já não lembro bem, impingiram-te a "Mensagem" que foi o que me aconteceu.
Não ganhei aversão mas não me entusiasmou mesmo nada.
Há uns 20 anos peguei no Álvaro de Campos e verifiquei que andara a ser um pretensioso da treta.
Passei a olhar Fernando Pessoa com outros olhos.