Cadernos
Albert Camus
Tradução: Gina de Freitas
Capa: Infante do Carmo
Colecção Miniatura nº 157
Edição «Livros do Brasil», Lisboa s/d
O que eu quero
dizer:
Que se pode sentir –
sem romantismo – a nostalgia de uma pobreza perdida. Um determinado número de
anos vividos miseravelmente bastam para criar uma sensibilidade.
A obra é uma
confissão, preciso de testemunhar. Só tenho uma coisa a dizer, a examinar bem.
É nesta vida de pobreza, no meio de pessoas humildes ou vaidosas, que
certamente melhor aprendi o que me parece ser o verdadeiro sentido da vida. As
obras de arte nunca o conseguirão. A arte não é tudo para mim. Pelo menos que
seja um meio.
Céu de trovoada em
Agosto. Aragem escaldante. Nuvens negras. No entanto, do lado do nascente, uma
faixa azul, delicada, transparente. Impossível fixá-la. A sua presença é uma
tortura para os olhos e para a alma. Porque a beleza é insuportável. Ela
desespera-nos, eternidade de um minuto que desejaríamos prolongar pelo tempo
fora.
Só se pensa através
das imagens. Se queres ser filósofo, escreve romances,
Grenier, a
propósito do comunismo: «Toda a questão é estar para um ideal de justiça, será
necessário concordar com disparates?» Pode responder-se sim: é belo. Não: é
honesto.
Estes fins de tarde
em Argel em que as mulheres são tão belas.
Montherlant: Eu sou
aquele a quem acontece qualquer coisa.
Em Marselha,
felicidade e tristeza – Completamente no fundo de mim próprio. Cidade viva que
eu amo. Mas, ao mesmo tempo, este gosto amargo de solidão.
O aroma do loureiro
que se encontra em Fiesole à esquina de cada rua.
O dinheiro. É por
uma espécie de snobismo espiritual que pretendemos crer que se pode ser feliz
sem dinheiro.
O tipo que prometia muito e que trabalha agora num
escritório. Excepto isso não faz mais nada, ao chegar a casa, senão deitar-se e
esperar pela hora do jantar fumando cigarros, deitar-se de novo e dormir até ao
dia seguinte. Ao domingo levanta-se muito tarde e põe-se à janela, a olhar a
chuva ou o sol, as pessoas que passam ou o silêncio. E assim todo o ano. Ele
espera. Ele espera a morte.
Mas é uma aldrabice. Não há dignidade no trabalho, a
não ser no trabalho livremente aceite. Apenas a ociosidade é que é um valor
moral porque ela pode servir para julgar os homens. Só é fatal para os
medíocres. É a sua lição e a sua grandeza. O trabalho, pelo contrário, destrói
igualmente os homens. Ele não institui um juízo. Põe em acção uma metafísica da
humilhação. Mesmo os melhores não lhe sobrevivem sob a forma de escravatura que
a sociedade dos bens pensantes agora lhe dão…
Eu proponho que se inverta a fórmula clássica e que se
faça do trabalho um fruto da ociosidade. Há uma dignidade no trabalho das
pequenas partidas jogadas ao domingo. Ali o trabalho alia-se ao jogo e o jogo
submetido à técnica atinge a obra de arte e toda a criação…
Pintor que vai a
Port-Cros para pintar. E tudo é tão belo que ele compra uma casa, arruma os
quadros e não mais lhes toca.
Cf. Marco Aurélio:
«Seja onde for que se possa viver, pode viver-se bem.»
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