O ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares
Maduro, não irá estar presente na leitura de textos do realizador João César
Monteiro num tributo agendado para sábado no âmbito do Lisbon & Estoril
Film Festival. Uma carta aberta subscrita por gente do cinema, da escrita, de outras artes, critica a iniciativa:.
Ao abrigo de uma festividade festivaleira que escorre entre
as bandas do Casino Estoril e a capital, e sob a batuta do incansável
empreendedor Paulo Branco, aliaram-se as aspas do "cinema" às aspas
da "literatura" e outros demais resíduos das "animações
culturais" e vá de promover uma " leitura de poemas" do João
César Monteiro (sem água-vai ao filho do mesmo que é quem detém os direitos
autorais do poeta-cineasta).
O esbulho, à sorrelfa, até terá tido sua razão de ser: a
haver pedido de autorização para aquele " momento de arte", a
resposta consistiria apenas numa palavra: Não. E assim é, ou foi, que a
desfaçatez ganhou direito sobre a decência e o direito.
Mas o pior está para vir. É que no rol dos
"eventos" que complementam o barulho das luzes
"cinematográficas"', insiste-se no ítem João César Monteiro – à laia
de "homenagem" pelos 10 anos decorridos sobre o seu falecimento –
agora com um ministro, rodeado por numeroso séquito hemicílico, a ler uma carta
do César a um organismo estatal e sabe-se lá mais o quê de igual jaez e esperta
solicitude. Que "eles" comem tudo, está na canção e na sabedoria
popular, por (forçada) experiência própria. Mas "que não deixam
nada", já é de contestar. Porque deixam: deixam um rasto repulsivo, que
soma ao abuso puro e duro o intuito subjacente de branquear, neutralizar,
festivalar o furor interventivo, manifestamente Anti-Sistema, do cineasta,
assim posto à mercê de tais canibais homenageantes.
A tempo, seria caso de apelo à vergonha-na-cara dos
responsáveis pela coisa, levando-os a cancelar o vilipêndio e ficarem muito
quietinhos a ver fitas.
Mas não há que esperançar. Com o concurso de um
ministro-e-tudo, o evento lá se levará a termo, sem que o vento o leve.
Que fique no entanto expresso, por este meio, a par da
elementar indignação, o nosso mais vincado repúdio face a uma operação
"política" a todos os títulos repugnante.
Manoel de Oliveira, Herberto Helder, Manuel Gusmão, Pedro
Tamen, Maria Velho da Costa, Armando Silva Carvalho, Manuela de Freitas, José
Mário Branco, Alberto Seixas Santos, Pedro Costa, João Queiroz, Rui Chafes,
João Fernandes, Vitor Silva Tavares, Margarida Gil, João Pedro Monteiro Gil
Nota do editor: o
título é retirado da planificação do filme do César Monteiro Quem Espera por Sapatos de Defunto (1970).
A frase completa é
como segue:
Este país,
senhores, é um poço onde se cai, um cu de onde se não sai
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