Cadernos III
Albert Camus
Tradução: António
Ramos Rosa
Capa: Infante do Carmo
Colecção Miniatura
nº 168
Edição Livros do
Brasil, Lisboa s/d
Outubro de 1946, 33
anos daqui a um mês.
A memória
fraqueja-me de há um ano para cá. Incapacidade de fixar uma história contada –
de lembrar trechos inteiros do passado, que, no entanto, foram bem vivos.
Enquanto isto não melhora (se é que melhora), é evidente que deve notar aqui
cada vez mais coisas, mesmo as pessoais. Porque afinal tudo se dispõe no mesmo
plano um pouco confuso, o esquecimento ganha também o coração. As emoções
tornam-se breves, desprovidas da longa ressonância que lhes dá a memória. A
sensibilidade dos cães é assim.
Há que afirmar que
como escritores traímos perante a História se não denunciarmos o que é para
denunciar. A conspiração do silêncio é a nossa condenação aos olhos daqueles
que hão-de vir depois de nós.
Porque se bebe?
Porque na bebida tudo toma uma importância, tudo se dispõe segundo uma linha
máxima. Conclusão: bebe-se por impotência e por condenação.
O velho mendigo a
Eleanor Clark: «Não é que sejamos maus, mas perdemos a luz.»
B. Constant
(profeta): «Para viver em repouso é necessário quase tanto trabalho como para
governar o mundo.»
Romance: O homem
que é apanhado pela polícia política porque não quis ter a maçada de se ocupar
do passaporte. Sabia-o. E não o fez, etc…
Nietzshe diz: «Não
pode haver Deus, pois se existisse um Eu não poderia resignar-me a não sê-lo eu
próprio.»
Retirei-me do mundo
não porque tivesse inimigos, mas porque tinha amigos. Não que eles não me
fossem prestáveis como é habitual, mas julgavam-me melhor do que sou. É uam
mentira que eu não posso suportar.
Amigo de C.
«Morreremos aos quarenta mas de uma bala que metemos no coração aos vinte.»
«Não vivemos
verdadeiramente senão algumas horas da nossa vida…»
Começa-se por crer
na solidão e julga-se que é difícil. Mas a seguir escreve-se e cai-se
acompanhado. Sabe-se então que o empreendimento é insensato e que a felicidade
estava no início.
Tentei com todas as
minhas forças, conhecendo as minhas fraquezas, ser um homem de moral. A moral
mata.
«Ah! eu matar-me-ia
se não soubesse que a própria morte não é um repouso e que no túmulo também nos
espera uma terrível angústia.»
Os deveres da
amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade.
Cultivar a memória,
primeiro que tudo
Como viver sem
algumas boas razões para desesperar!
Não se diz a quarta
parte do que se sabe. Se não, tudo ruiria. Diz-se tão pouco, e já urram
O único esforço da
minha vida, pois que o resto me foi dado, e generosamente /salvo a fortuna, a
que sou indiferente): viver uma vida de homem normal. Este esforço desmedido de
nada serviu. A pouco e pouco, em vez de colher cada vez melhores resultados no
meu empreendimento vejo o abismo a aproximar-se.
«Ele dizia-lhe que
o amor dos homens é assim, uma vontade, não uma graça, e que ele próprio tinha
de ser conquistado. Ele jurava-lhe que isso não era o amor.»
«Perdera tudo, a té
a solidão.»
Keats ainda. «Não
há maior pecado do que crer que se é grande escritor. É verdade que um tal
crime comporta um pesado castigo.
Chesterton. A
justiça é um mistério, não uma ilusão.
«Obedecei», dizia
Frederico da Prússia. Mas ao morrer: «Eu estou cansado de reinar sobre
escravos.»
L.G. – bastante bela,
mas, como diz Stendhal, deixa um pouco a desejar quanto às ideias.
Antes pobre e livre
que rico e subjugado. Bem entendido, os homens querem ser ricos e livres e é o
que os leva algumas vezes a ser pobres e escravos.
Delacroix. «O que
faz o homem de génio… não são as ideias novas, é essa ideia, de que o possui,
de que tudo o que está dito não o está ainda bastante.»
Gide: Só o ateísmo
pode pacificar o mundo hoje. (!)
Sim, tenho uma
pátria: a língua francesa.
«A liberdade é um
dom do mar.» Proudhon.
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