quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

VIAGENS POR ABRIL

 


  Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                 João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

O recorte de hoje pertence ao jornal República de 14 de Julho de 1972.

O poeta Fernando Assis Pacheco ofereceu ao autor um exemplar de Câu Kiên: um resumo e o autor demonstra a sua felicidade. 

Pela oferta e pela excelência da obra.

O mundo nunca deixou de viver sem a infernal presença da guerra.

Nunca.

Aquela guerra tinha nomes e lugares de outra parte do mundo.

O poeta era português, queria colocar os nomes das terras e das gentes,  mas existiam censores-analfabetos.

O poeta era Fernando Assis Pacheco.

Em Maio de 1972 chamou ao livrinho: «CÂU KIÊN: UM RESUMO».

Em Maio de 1976, finalmente, chamou ao livrinho: «CATALABANZA QUILOLO E VOLTA.»

Neste último livrinho, o poeta escreveu:

«Catalabalanza Quilolo e Volta é basicamente a versão original de um título que publiquei em Maio de 1972, Câu Kiên: um resumo, tirado a 500 exemplares para ofertas.

A toponímia vietnamita, e outros disfarces de circunstância, não têm razão de ser. Reposto o texto tal como era, junto agora alguns poemas, todas da mesma época e quase todos considerados para o Câu Kiên, mas então eliminados.

Catabalanza vai dedicado a João Cabral de Andrade, um amigo morto em Angola.

                                                                                                    F.A.P.»

Tanto em Cãu Kiên, como em Catabalanza, Quilolo as palavras são as mesmas.

 

Monólogo e Explicação.

 

Mas não puxei atrás a culatra,

não limpei o óleo do cano,

dizem que a guerra mata: a minha

desfez-me logo à chegada.

 

Não houve pois cercos, balas

que demovessem este forçado.

Viram-no à mesa com grandes livros,

com grandes copos, grandes mãos aterradas.

 

Viram-no mijar à noite nas tábuas

ou nas poucas ervas meio rapadas.

Olhar os morros, como se entendesse

o seu torpor de terra plácida.

 

Folheando uns papéis que sobraram

lembra-se agora de haver muito frio.

Dizem que a guerra passa: esta minha

passou-me para os ossos e não sai.


Fernando Assis Pacheco


 Os versos finais deste poema do Assis Pacheco são, mais ou menos, a frase de António Lobo Antunes deixada, ontem, no Postal Sem Selo:

«Pode esquecer-se a guerra, mas ela não nos esquece. Deu cabo da nossa juventude e há-de dar cabo da nossa velhice».

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