Alguns dos livros da
Biblioteca da Casa, que narram vivências do que se passou na Guerra Colonial, têm
sido, por aqui, apresentados. São
variados e alguns de difícil catalogação. Não sendo um especialista posso, no
entanto, dizer que o primeiro livro sobre a Guerra Colonial, por aqui apresentado, terá sido Os Cus de Judas de António Lobo Antunes:
«- Felizmente a tropa há-de torná-lo um homem.
Esta profecia vigorosa, transmitida ao longo da infância e da adolescência por
dentaduras postiças de indiscutível autoridade, prolongava-se em ecos
estridentes nas mesas de canasta, onde as fêmeas do clã forneciam à missa dos
domingos um contrapeso pagão a dois centavos o ponto, quantia nominal que lhes
servia de pretexto para expelirem, a propósito de um beste, ódios antigos
pacientemente segregados. Os homens da família, cuja solenidade pomposa me
fascinara antes da primeira comunhão, quando eu não entendia ainda que seus
conciliábulos sussurrados, inacessíveis e vitais como as assembleias de deuses,
se destinavam simplesmente a discutir os méritos fofos das nádegas da criada,
apoiavam gravemente as tias no intuito de afastarem uma futura mão rival em beliscões
furtivos durante o levantar dos pratos. O espectro de Salazar pairava sobre as
calvas pias labaredazinhas de Espírito Santo corporativo, salvando-nos da ideia
tenebrosa e deletéria do socialismo. A PIDE prosseguia corajosamente a sua
valorosa cruzada contra a noção sinistra de democracia».
Hoje, apresentámos HendaXala ,editado em 1984, pela Editora Ulmeiro que, ao tempo, nunca encontrei
em qualquer livraria e que só viria a conhecer, em 1992, na edição do Círculo
de Leitores.
Um livro notável que passou
completamente despercebido.
Se o apanharem em qualquer
alfarrabista, ou feiras de ocasião, não hesitem: leiam-no!
Aliás, tirando meia dúzia, a
maior parte dos livros, relatando as experiências da guerra colonial, passaram
quase clandestinamente pelas livrarias. Fossem escritos por jogadores de
futebol, ou «pivôs» de televisão… outro galo cantaria.
Terminarei com uma referência envolvida num qualquer tom de melancolia-saudade.
O pai do escritor Abílio
Teixeira Mendes, pai do cantor Carlos Mendes e do médico Jaime Mendes, também ele
Abílio Mendes, foi meu pediatra com consultório na Travessa do Calado.
Muitas vezes a minha mãe
recebia um telefonema do consultório em que a assistente informava que o Dr.
não daria a próxima consulta, que estava marcada, porque teve inesperadamente de
viajar. A viagem tinha a ver com a PIDE que, mais uma vez, prendera o Dr.
Abílio Mendes e o enviara para os calabouços de Caxias.
« Licenciado em Medicina dias antes de
rebentar a Guerra Civil de Espanha, a sua entrada na vida profissional foi
marcada por uma fase de grande repressão interna e de uma surda marginalização.
Concorreu, por
duas vezes, aos Hospitais Civis tendo ficado sempre bem classificado, o que lhe
permitiria a admissão imediata na carreira hospitalar mas foi, no entanto,
excluído por decisão ministerial, o que o impediu de entrar não só na carreira
hospitalar mas também na carreira universitária. Como escreveu no seu próprio
curriculum: “ (…) considero-me honrado por ter sido impedido de tomar posse por
informações da polícia política e da Legião Portuguesa”
Abílio Mendes
ficou assim obrigado a fazer a sua formação de Pediatra, primeiro em Santa
Marta e depois no Hospital Dona Estefânia, em regime de voluntariado, tendo
sido posteriormente convidado pelo Professor Carlos Salazar de Sousa para
Assistente Livre de Pediatria.
Com esta equipa,
na Faculdade de Medicina, Abílio Mendes abriu o Serviço de Pediatria do
Hospital de Santa Maria, continuando no entanto sempre impedido pelo regime de
entrar nos quadros destes Hospitais, onde dedicou muitos anos da sua vida
profissional sem qualquer remuneração».
A Câmara Municipal de Lisboa prestou
homenagem ao Dr. Abílio Mendes atribuindo o seu nome a uma rua da Freguesia de
São Domingos de Benfica.
Sem comentários:
Enviar um comentário