Não sei, não sei mesmo, porque guardei alguns
livros de estudo dos anos do liceu.
É o caso destas Selectas Literárias.
Há quem diga que guardar os livros da velha
escola possui razões que não se prendem com o que neles aprendemos, mas sim com
uma saudade do tempo em que fomos meninos.
As ditas selectas estavam no Outro Lado das
Estantes, um nicho onde se guardam livros que não têm classificação na ordem da
Biblioteca da Casa.
Revisitar estes livros é manter a ideia de
que, enquanto os estudei, não aprendi nada que ficasse para a minha vida
cultural. Foram outros os livros, foram outros os ensinamentos, e como não
guardei livros da escola primária poderei dizer que a leitura do jornal A Bola,
a daqueles tempos e não a dos dias de hoje,
completou o ensinamento das primeiras letras.
O volume A Terra e a Grei, imagem no
topo do texto, está designado pelos seus autores, Corrêa de Oliveira e Saavedra
Machado, como «Selecta de Língua e História Pátria para o 1º Ciclo dos liceus»,
editado em 1956 pela Livraria Didáctica, tem anúncio na 3ª página: «Todos
os exemplares são numerados e autenticados pelo Ministério da Educação
Nacional».
Mesmo os autores legíveis, entre outros:
Almeida Garrett, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Rebelo da Silva, Teófilo
Braga, João de Deus, Afonso Lopes Vieira, Maria Archer, Venceslau de Morais, têm
textos inócuos, em que não mostram qualquer referência que ofenda a Igreja e
a Pátria.
Como mostra este início de texto de Rebelo
da Silva:
«A caridade, a mais suave e formosa
manifestação da lei moral ensinada por Cristo, deveu entre nós e na Europa os
mais valiosos esforços na Idade Média.
Junto dos conventos e de alguns paços episcopais, tudo indica que existiam
casas destinadas a recolher e a tratar os pobres».
Os textos selecionados continuam a defesa
intransigente de Deus e da Pátria.
Vejam este excerto de um poema de Miguel
Trigueiros:
Deus é Princípio e Fim. Para encontra-Lo
é unir – à Sua voiz – a nossa voz.
Não queiramos ir longe procura-Lo
pois Ele existe já dentro de nós.
Por fim, a Selecta Literária, organização
também de Júlio Martins e Jaime Mota, professores efectivos do Colégio Militar,
destinada aos 4º e 5º anos do Liceu.
Na 4ª página, os autores-militares, colocam
este conselho:
«De acordo com o
programa vigente, destinam-se aos alunos do 4º ano os trechos dos séculos XVII
e seguintes; e aos do 5º ano, os trechos de Fernão e do século XVI
Além dos trechos
contidos nesta Selecta Literária,
devem os alunos do 4º ano ler o Frei Luís de Sousa de Garrett e algumas Lendas
e Narrativas de Alexandre Herculano; e os do 5º ano, o Auto da Alma
de Gil Vicente e excertos d’Os Lusíadas»
Claro que os excertos de Os Lusíadas
destinavam-se ao passeio de andarmos a dividir as orações e a indicação
professoral de que o Canto IX não era para ler.
Quantos dos que andaram por aquele tempo, às
voltas com a divisão de orações e outras tropelias, não odeiam hoje o
poema e desconhecem, por completo, Luís de Camões?
Dizer ainda que o governo da nação dedicou um soberano desprezo no 5º centenário do nascimento do poeta que este ano se devia comemorar.
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