sábado, 10 de fevereiro de 2024

O OUTRO LADO DAS ESTANTES


Não sei, não sei mesmo, porque guardei alguns livros de estudo dos anos do liceu.

É o caso destas Selectas Literárias.

Há quem diga que guardar os livros da velha escola possui razões que não se prendem com o que neles aprendemos, mas sim com uma saudade do tempo em que fomos meninos.

As ditas selectas estavam no Outro Lado das Estantes, um nicho onde se guardam livros que não têm classificação na ordem da Biblioteca da Casa.

Revisitar estes livros é manter a ideia de que, enquanto os estudei, não aprendi nada que ficasse para a minha vida cultural. Foram outros os livros, foram outros os ensinamentos, e como não guardei livros da escola primária poderei dizer que a leitura do jornal A Bola, a daqueles tempos e não a dos dias de  hoje, completou o ensinamento das primeiras letras.

O volume A Terra e a Grei, imagem no topo do texto, está designado pelos seus autores, Corrêa de Oliveira e Saavedra Machado, como «Selecta de Língua e História Pátria para o 1º Ciclo dos liceus», editado em 1956 pela Livraria Didáctica, tem anúncio na 3ª página: «Todos os exemplares são numerados e autenticados pelo Ministério da Educação Nacional».

Mesmo os autores legíveis, entre outros: Almeida Garrett, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Rebelo da Silva, Teófilo Braga, João de Deus, Afonso Lopes Vieira, Maria Archer, Venceslau de Morais, têm textos inócuos, em que não  mostram qualquer referência que ofenda a Igreja e a Pátria.

Como mostra este início de texto de Rebelo da Silva:

«A caridade, a mais suave e formosa manifestação da lei moral ensinada por Cristo, deveu entre nós e na Europa os mais valiosos esforços na Idade  Média. Junto dos conventos e de alguns paços episcopais, tudo indica que existiam casas destinadas a recolher e a tratar os pobres».


Esta é a Selecta Literária, 1º volume, organizada por Júlio Martins e Jaime da Mota e destinada ao 3º ano Liceal.

Os textos selecionados continuam a defesa intransigente de Deus e da Pátria.

Vejam este excerto de um poema de Miguel Trigueiros:

Deus é Princípio e Fim. Para encontra-Lo

é unir – à Sua voiz – a nossa voz.

Não queiramos ir longe procura-Lo

pois Ele existe já dentro de nós.


Por fim, a Selecta Literária, organização também de Júlio Martins e Jaime Mota, professores efectivos do Colégio Militar, destinada aos 4º e 5º anos do Liceu.

Na 4ª página, os autores-militares, colocam este conselho:

«De acordo com o programa vigente, destinam-se aos alunos do 4º ano os trechos dos séculos XVII e seguintes; e aos do 5º ano, os trechos de Fernão e do século XVI

Além dos trechos contidos nesta Selecta Literária, devem os alunos do 4º ano ler o Frei Luís de Sousa de Garrett e algumas Lendas e Narrativas de Alexandre Herculano; e os do 5º ano, o Auto da Alma de Gil Vicente e excertos d’Os Lusíadas»

Claro que os excertos de Os Lusíadas destinavam-se ao passeio de andarmos a dividir as orações e a indicação professoral de que o Canto IX não era para ler.

Quantos dos que andaram por aquele tempo, às voltas com a divisão de orações e outras tropelias, não odeiam hoje o poema e desconhecem, por completo, Luís de Camões?

Dizer ainda que o governo da nação dedicou um soberano desprezo no 5º centenário do nascimento do poeta  que este ano se devia comemorar. 

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